Por Antoninho Rapassi
No Domingo, 10 de Junho de 2007 publiquei no “O Liberal” jornal diário de Americana, a crônica que agora finalmente resgatada, possibilita-me levá-la, na íntegra, ao conhecimento dos meus conterrâneos. Vamos a ela:
Confesso que não entendo de morte e dela tenho medo! No entanto, enquanto somos vivos a morte não existe, e quando ela passa a existir, nós deixamos de ser. Ela é a última coisa que desejo para mim. Mas, quando morre um amigo fico semanas e meses revivendo os períodos e momentos, que de qualquer forma eles nos uniram nesta transitoriedade que é a vida humana.
Desde os anos da trepidante juventude vividos em Votuporanga, tendo cursado o ginásio “Dr. José Manuel Lobo” como o “Cruzeiro do Sul” do venerando Cícero Barbosa Lima Jr., tive notáveis Mestres de Latim como o Dr. Joaquim Franco Garcia, o Padre Pio e este iluminado Benedicto Silva, incrível autodidata em idiomas. Deles e também do professor Egas Moniz ouvi histórias sobre o culto em que os romanos se dedicavam a decifrar o caráter inelutável da morte e a atração pelo lugar onde os ossos haveriam de pousar, docemente na eternidade de uma só noite, enquanto lentamente voltavam a ser um pouco de pó. A morte não leva em conta a posição social, política e econômica de suas vítimas. Ela é certa, incerta é a sua hora que vem acompanhada com sofrimentos e amarguras.
Estou triste com a perda do velho amigo Nelson Camargo, figura visionária arrebatada por sonhos utópicos que ele transformou em realidade, mercê da obstinação que a cidade acompanhou, testemunhando a sobrevivência do jornal “A Vanguarda” e, a partir de 1957 da pioneira Rádio Clube de Votuporanga na frequência AM, que foi seguramente a maior ampliação dos horizontes da cidade balzaquiana.
Estes dois instrumentos de comunicação, com duplos gumes afiados sempre foram utilizados com justeza e bom senso. Grande Nelson Camargo! Ágil e independente, democrata e culto, ele foi um cidadão a contabilizar grande saldo de realizações positivas em prol das cogitações culturais da invicta urbe que despontava nos confins do Oeste paulista. Dá pra esquecer as memoráveis produções artísticas no auditório do “Edifício Budin” da Rua Amazonas, no qual a Rádio Clube de Votuporanga sustentava a exemplo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro?
As vesperais apresentações de numerosas duplas caipiras, nas febris competições musicais de auditório, sacudiam o sedentarismo dos Sábados mornos com o lufa-lufa que beneficiava o comércio varejista ao som do tropel dos cascos de fogosos cavalos. Era uma festa de arromba! No dia seguinte, a partir da hora do almoço toda a cidade se concentrava na emissora que era comandada pelo divertido Jaime Cunha, criador de apelidos aos que se dispunham a ser calouros, como aquele “A Bonequinha Loira” dado para a Claudinice Soares Publio que virou a melhor cantora de Votuporanga.
Votuporanga teve em Nelson Camargo seu maior comunicador e empreendedor de entretenimentos naqueles felizes tempos que antecederam à famigerada fase do domínio tirânico da televisão. Lembro-me de quando estourou a notícia de que Nelson Camargo estava a bordo do avião da VASP que caiu ao mar, logo após a decolagem do Aeroporto “Santos Dumont”. Era um dia qualquer de 1959, e bem me lembro que ele foi um dos poucos que sobreviveram ao desastre aéreo. Nosso intrépido conterrâneo foi prontamente resgatado no mar, voltou molhado ao saguão do mesmo aeroporto e com um braço quebrado rapidamente embarcou em novo voo para São Paulo, para cumprir compromissos agendados. Nelson Camargo acabara de nascer outra vez. Mas, a sua primeira morte se deu quando da brutalidade da perda de sua filha única, Cláudia Camargo.
Quantas vezes, ao voltar para Votuporanga e repetir a visita reconfortante ao túmulo dos meus pais, encontrava-me com Nelson Camargo nunca refeito do duro golpe, devastado mesmo, pois a denúncia estava ali estampada em seus olhos cansados de meditar e chorar. E ele atormentado, solitário e alquebrado vivia o Purgatório de Dante, sem saber que este florentino, efígie da raça italiana, sete séculos antes parece ter escrito especialmente para Nelson Camargo:
“Não existe…maior dor que recordar, na amargura, a hora feliz.”
Transcrito de uma publicação do jornal “O Liberal” de Americana, edição de 10. 6. 2007.-
- O jornalista Nelson Camargo, falecido em 14 de maio 2007, foi o fundador deste Jornal em 15 de julho de 1954, na época (A Vanguarda) e da Radio Clube (AM) em 5 de agosto de 1956. Atualmente Diário de Votuporanga e Radio Clube 92,1 FM.