Pessoas sem parceria fixa mesclaram encontros virtuais e presenciais; aquelas em relacionamentos estáveis tiveram períodos de intensidade e desgaste.
As pessoas solteiras continuaram mantendo relações sexuais durante a pandemia. No entanto, os encontros passaram a ser mais híbridos, mesclando o presencial e o virtual. Os dados preliminares da pesquisa nacional “Sexvid”, iniciada em outubro de 2020, mostram que cerca de 85% dos brasileiros mantiveram as relações, incluindo solteiros e casados.
Para aprofundar o mapeamento da atividade sexual durante a pandemia, os pesquisadores disponibilizaram um questionário online que já recebeu cerca de 1.800 respostas que ainda estão sendo analisadas. O formulário pode ser respondido por pessoas maiores de 18 anos no site da pesquisa.
O estudo, que envolve especialistas de diferentes universidades públicas, investiga como a pandemia tem afetado as práticas sexuais dos brasileiros e busca responder como tem sido a gestão de risco, considerando o contexto da infecção pela Covid-19.
“Identificamos um hibridismo muito maior entre o uso de tecnologia de aplicativos e de sites, não só para localizar parceiros, como também para iniciar conversas até o encontro sexual. Há o uso de perguntas de segurança sobre a Covid-19, por exemplo”, diz o professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marco Aurélio Prado, um dos coordenadores.
Outro comportamento adquirido durante a pandemia foi a mudança na forma de iniciar as relações, segundo Paula Sandrine Machado, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que também é uma das uma das coordenadoras do estudo.
“Aqueles que usam aplicativos passaram a permanecer um tempo maior neles antes de decidir por um encontro presencial, em função de uma certa investigação daquilo que eles vão considerar como sendo um parceiro ou uma parceira segura”, diz.
A primeira etapa do estudo realizou entrevistas com pessoas de diferentes orientações sexuais e de diversas regiões brasileiras. A fase inicial da pesquisa também analisou relatos em redes sociais e publicações jornalísticas, que mostraram que parte da população quebrou as regras de distanciamento para a realização dos encontros.
“Os relatos incluem riqueza de detalhes de como esse descumprimento envolvia elementos supercomplexos. Desde o estabelecimento de parâmetros prévios a um encontro, como decisões sobre o uso de máscara ou a utilização de álcool em gel. Além de negociações do tipo, se a pessoa mora sozinha ou em uma república”, explica Paula.
“No momento em que o país não tem uma política coordenada pública que fale sobre sexualidade e prevenção de contaminação e redução de danos numa pandemia, relacionados à sexualidade, o que nos interessa saber é como as pessoas fazem isso, já que elas precisam ir atrás das informações por conta própria”, afirmou Prado.
Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu sobre a ausência de material informativo da pasta sobre o tema até a publicação da reportagem.
Impacto na vida sexual dos casados
Não foi só na vida sexual dos solteiros que a pandemia interferiu. A sexóloga Carmita Abdo avalia que houve um impacto na vivência da sexualidade de diferentes formas para casais que moram juntos, separados e pessoas no início da vida sexual.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Carmita é autora do recém-lançado livro “Sexo no Cotidiano”, que reúne 26 temas sobre sexualidade, incluindo atração, intimidade e isolamento. Na obra, a autora narra questões como a falta de espontaneidade no sexo, relacionada ao cotidiano apressado das pessoas, além de assuntos como sexo e saúde física e mental e os efeitos da pandemia nas relações.
Segundo a sexóloga, a pandemia, num primeiro momento, tornou as relações sexuais entre as pessoas que dividem o mesmo teto mais intensas. “Os primeiros tempos foram muito interessantes. Foram de aproveitar aquele tempo livre, o descanso. A pessoa estava de alguma forma menos atarefada e podia fazer um sexo mais longo, mais frequente, de melhor qualidade”, explica.
No entanto, à medida que as restrições impostas como medida de prevenção ao novo coronavírus foram se prolongando por semanas e meses, as relações também passaram a enfrentar momentos de desgaste.
“A convivência o dia inteiro, não tendo assuntos diferentes para trocar no final do dia, não tendo o necessário distanciamento físico para voltar e sentir de alguma forma necessidade de aconchego, de aproximação física, foi o segundo momento desses casais”, disse.
A sexóloga ressalta que o prolongamento da pandemia trouxe preocupações que reduziram a frequência e a satisfação sexual, incluindo questões de saúde, luto pela perda de entes queridos, dificuldades econômicas e incertezas quanto ao futuro.
Os casais que vivem em casas diferentes foram forçados a uma separação física durante a pandemia. Segundo Carmita, isso levou a um aumento do uso da internet como recurso para o prazer sexual. Além das videochamadas, ela destaca que houve uma ampliação do consumo de pornografia e de práticas de masturbação por homens e mulheres.
“As mulheres passaram a ter uma atividade masturbatória mais intensa do que de regra. E os homens mantiveram essa atividade acrescida de aplicativos, vídeos e pornografia, mais usualmente utilizados do que em um padrão fora da pandemia”, afirmou.
Carmita explica que o uso da tecnologia está sendo ainda mais relevante para os jovens e adolescentes que vivenciam o início da vida sexual no período de pandemia.
“Temos uma geração de iniciação sexual virtual de forma maciça. O que já vinha acontecendo como um complemento, uma possibilidade ou uma prévia, antes de se lançar numa experiência presencial, se tornou uma regra e não uma iniciação”, disse.
A sexóloga destaca que, de forma geral, os relatos sobre a sexualidade durante a pandemia enfatizam que as relações estão menos prazerosas e sendo sufocadas por preocupações sobre o futuro.
“Preocupações que não existiam se somaram às que já existiam. Além do fator que as casas ficaram ocupadas o tempo todo por muitas pessoas, sem privacidade para atividade sexual”, acrescenta.
Escassez de material informativo
Não há uma publicação oficial por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as práticas sexuais durante a pandemia. A OMS destaca apenas a importância da manutenção de serviços de saúde essenciais, incluindo aqueles relacionados ao direito das mulheres aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva.
“O que temos observado e que chamamos de hibridismo é que são arranjos muito particulares que as pessoas têm feito, quase produzindo alguns protocolos e gestões do risco individualizados. Como se elas acabassem se responsabilizando por essa gestão, sem uma discussão ou um debate público em relação a isso”, explica Paula Sandrine, da UFRGS.
Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, governos locais e as sociedades médicas pelo mundo estabeleceram guias próprios sobre o tema.
Em março do ano passado, o governo de Nova York lançou uma cartilha com estratégias para reduzir o risco da transmissão da Covid-19 durante o sexo, sugerindo que: “As decisões sobre sexo e sexualidade precisam ser equilibradas com a saúde pessoal e pública”.
O guia sugere relações entre pessoas próximas e de confiança, com conversas prévias sobre os riscos de transmissão da Covid-19. O texto recomenda evitar aglomerações e suspender encontros presenciais com pessoas conhecidas online ou por aplicativos. A cartilha orienta, ainda, o monitoramento de sintomas após relações com pessoas externas ao círculo de contato e evitar práticas na presença de sintomas da doença.
Em julho de 2020, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lançaram uma cartilha com orientações para profissionais do sexo durante a pandemia.
O material, que tem como foco a prevenção à infecção pela Covid-19, sugere formas alternativas de trabalho para o período de distanciamento social, como a modalidade virtual, no caso das videochamadas. Além de orientações para diminuir o risco de contaminação durante o atendimento presencial.
A iniciativa inglesa PrEPster, que oferece informações didáticas sobre a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), também divulgou dicas para reduzir os riscos de infecção pelo novo coronavírus. A cartilha inclui informações como a redução no número de parceiros, práticas alternativas e atenção aos sintomas da Covid-19.
*Informações/CNNBRASIL