Por Antoninho Rapassi
Vivo metido em garimpagens com a minha bateia à procura de um volumoso envelope onde sistematicamente fui guardando preciosas pepitas de ouro, representadas por fotografias selecionadas da época em que nasciam as minhas primeiras ambições espontâneas. Era como um fogo que ardia no peito e me deixava impaciente, predisposto na busca de soluções que me acalmassem.
Tenho protelado várias crônicas em razão disso, as quais pretendia oferecer àqueles que me enternecem e me afagam com as leituras e comentários, ainda mais porque existe uma íntima relação das fotos com os imagináveis leitores. Por exemplo: eu e o Toninho Lourenço éramos (e continuamos a ser) amigos incondicionais e uma fotografia com ele registra o flagrante daquela noite em que, com uma comitiva fomos prestar homenagem ao gerente do Cine Votuporanga, Walther Nascimento. Eu era presidente do Centro Estudantil da Escola de Comércio “Cruzeiro do Sul”, o Toninho Lourenço, como membro ativo do grêmio, sempre foi o meu arrimo de todas as ocasiões. Estava ao meu lado no momento do discurso de saudação que pronunciei e é bem isto o que a fotografia registra, além do homenageado que estava sentado no sofá da sala de espera do cinema e, entre surpreso e comovido recebia aquela manifestação de carinho da classe estudantil que ele, tantas vezes elogiara pelo comportamento e educação exemplares. Quem conhecia o Walther Nascimento há de se lembrar desse homem culto e profundo conhecedor da história do cinema. Praticava artes marciais e administrava o Cine Votuporanga com uma dedicação de monge. Era um taciturno que se expandia em alegres bate-papos quando se identificava com as pessoas ao seu redor, nas madrugadas silenciosas da nossa cidade.
Voltando a mencionar a foto, nela aparecem também muitos alunos da Escola Técnica de Comércio, todos uniformizados e que nos acompanharam após o final da última aula, coincidentemente com o “The End” do filme daquela noite do mês de Maio de 1960.
O que nós oferecemos ao querido amigo, gerente da única casa de espetáculos da nossa cidade foi um quadro pomposo que, em letras capitulares e com a fonte gótica evocava o título “Honra ao Mérito”, que depois vi com que orgulho o Walther ostentava esse quadro na principal parede do seu escritório. Diferentemente dos dias atuais, naquele tempo o registro fotográfico era uma façanha e tanto. O que me ajudou para não passar por mentiroso nos dias de hoje, foi a minha sólida amizade com o saudoso Luizinho Sato, sempre disposto a atender aos meus pedidos para registrar os eventos com a sua indefectível Rolleiflex, cujas fotos são as garantias soberbas que asseguram a autenticidade nas descrições dos acontecimentos de sessenta e tantos anos passados.
Querem ver uma outra história fantástica?
Graças ao espírito de homem cuidadoso e organizado do Jonas Alves Rodrigues, consegui fazer em 2015 o rótulo da Cachaça “Anos Dourados” usando a incrível foto de Maio de 1958, cedida por ele e com a qual ilustro esta crônica.
A história começa neste simbólico ano em que tudo deu certo no Brasil. Por isso muitos autores já usaram a frase: “1958: Um ano que não devia terminar”.
Eu cursava o terceiro ano ginasial e como presidente do Centro Estudantil do Ginásio “Cruzeiro do Sul”, organizei uma excursão junto com o Jonas que era o meu vice-presidente. Terminadas as aulas ao meio dia, um ônibus dos Irmãos Galetti acomodou cerca de 30 estudantes com saudável e permitida algazarra e fomos todos visitar as instalações de uma destilaria na zona rural de Valentim Gentil, onde o empresário José Ferrari nos aguardava para mostrar todo o processo, do começo ao fim, de como se produzia a boa cachaça. O Luizinho Sato, a meu convite, registrou o momento em que o pai da Emília Ferrari colocou em minhas mãos o alcoômetro para explicar como se faz a medição do teor alcoólico da bebida. Eu, sem me desfazer da gravata e do paletó, apareço com o instrumento vítreo de laboratório nas mãos, tendo ao meu lado o companheiro Jonas, já com a sua garganta liberta da gravata e sem o paletó. Porém, a exemplo do meu “factótum”, JK, a foto clicada aí pelas 13:00 horas e sob uma temperatura semelhante a crematório, pois estava bem próximo do fumegante alambique, que me mostra sorridente, garboso e resignado até com os rigores do uniforme ginasiano, tão carinhosamente mantido asseado sob os cuidados diários de minha mãe.
Afinal, estava embutido naquela visita incomum, um objetivo sub-reptício e primordial que visava mostrar a minha melhor imagem ao pai da garota que eu amava em absoluto sigilo.
Antoninho Rapassi