CADERNO LIVRE – Histórias do Mané Matta

1062

Por Antoninho Rapassi –

Quando eu era criança e a cidadezinha de Votuporanga era uma menina-moça com pouco mais de quinze anos, eu já percebia que pessoa ou quais pessoas eram os personagens principais das histórias que se contavam nas rodas sociais e no âmago da família. Dentre todos os nomes que me lembro, e lembro muito bem, o mais falado era o de um lusitano popular, cujo nome estava associado aos maiores investimentos que aconteciam na cidade. Isto era uma robusta demonstração, não só da confiança que ele depositava no futuro da cidade nascente, como também punha à prova o seu arrojo comercial, alimentado por um capital financeiro, certamente de alta monta.
Parece-me que a sua pioneira intervenção foi a de dotar à sociedade momentos de lazer, de diversão e entretenimentos, o que demonstra ser este imigrante possuidor de um grande sentimento de fraternidade aliado, é claro, à fonte lucrativa. Estou me referindo ao Cine Paramount nos anos de 1940 em que o Mané Matta ofereceu ao público votuporanguense a “sétima arte”, aliado aos Curti de São José do Rio Preto, distribuidores dos celuloides vindos não só dos estúdios de Wollywood, como os da Cinecittà da Itália e da Pelmex mexicana, com o seu artista exclusivo, Mário Moreno, o Cantinflas.
O sucesso garantido das salas de espetáculos cinematográficos, sempre lotadas por um público arrebatado, que se tornou cinéfilo, levou o Mané Matta à construção do imponente prédio que abrigou o Cine Votuporanga no começo dos anos cinquenta. Neste longo período da vida urbana, inexistia o fornecimento de energia elétrica. Para o espírito irrequieto, buliçoso, vindo d´além mar havia a necessidade de se fazer investimentos na fonte geradora da energia elétrica, para tornar exequível o funcionamento da sala de diversões. E, o “fiat-lux” aconteceu de pronto: um grande salão de amplíssimos janelões abertos foi construído em área posterior ao edifício do cinema, bem próximo à divisa do muro que demarcava a propriedade urbana do meu pai. Ali foram instalados dois possantes e barulhentos geradores, sob a atenta supervisão de um mecânico alemão chamado Fábio.
A bravura astuciosa do Mané Matta, como bom português que era não tinha fim. Ele idealizou e construiu uma vila, a chamada Vila Matta, composta por vistosas casas residenciais localizadas nos altos da Rua Pernambuco e Rua Paraná, se a memória ainda me socorre e não me deixa passar vergonha.
Certa vez, na Rua São Paulo diante da loja de móveis do meu pai, um caminhão fora do comum, de origem alemã estava ali parado. Gravei bem o seu nome: “Deustch Magirus”. Considerando que um quarteirão mede cem metros, a curiosidade me levou a deduzir que o tamanho descomunal daquele veículo de cargas media lá seus vinte e cinco metros de comprimento. Dos comentários que logo ouvi, fiquei sabendo que o seu proprietário era… o visionário Mané Matta, que assim estava criando uma nova empresa de transportes em nossa cidade.
Com o passar dos anos, a figura icônica do senhor Manoel Ramalho Matta tornou-se folclórica em virtude das histórias onde ele era o figurante principal, sempre cercado da admiração pelas pessoas que com ele trabalhavam e conviviam na incessante labuta social.
Contavam-se mil histórias engraçadas sobre o Mané Matta, que, na verdade era uma pessoa alegre e divertida, vivendo de bem com uma vida que lhe era camarada.
Começo por contar uma delas: por volta do ano de 1959 ele foi a São Paulo e comprou um fusca, carro que acabara de ser lançado no mercado. Concluída a negociação e com os documentos em mão, deu marcha a ré saiu da loja e veio assim até Campinas, onde parou por estar sentindo fortes dores no pescoço. Foi um frentista que lhe explicou qual o sentido correto da direção, apesar do motor do fusca estar no lugar do porta-malas.
Outra história: certa vez, encontrava-se no meio de uma floresta num local distante, quando sentiu iminente vontade de fazer “aquela necessidade matinal”. Para maior conforto, tirou do pulso um pesado relógio Omega em ouro e o pendurou num arbusto à sua frente. Terminado todos os procedimentos em que se envolveu naquela manhã, continuou sua viagem. Homem de negócios, nunca se preocupou com a falta do precioso relógio. Passaram-se dois anos e, precisando fazer o mesmo caminho daquela longínqua manhã, acabou localizando o seu relógio pelo barulhinho do tic-tac, que vinha do alto de uma árvore. Com alguma dificuldade conseguiu restituir ao seu punho esquerdo, o precioso marcador das horas e as gargalhadas dos amigos galhofeiros.
Mais uma: convidado para uma festa de casamento em cidade distante, decidiu levar no seu avião um leitão de origem algarvia, para cumprir os ritos gastronômicos “da terrinha.” Sucedeu-se que, em estando o avião a cerca de uns quatro mil metros de altura, o leitão se viu livre dos pés amarrados, cutucou com a cabeça a maçaneta da porta que, imediatamente se abriu e o leitãozinho despencou-se desastradamente da grande altura. Sem tempo, nem para pensar, Mané Matta mergulhou o avião no espaço com toda a velocidade possível, conseguindo alcançar e salvar o pobre bacorinho de uma morte cruel, que logo se espatifaria contra o solo. No dia seguinte, quando o “leitão da Bairrada” estava sendo servido aos comensais, era possível saber quem tinha realizado a maior proeza acrobática no céu azul daquele sertão: ele mesmo, o heroico Mané Matta!
Na verdade, estas e tantas outras histórias bizarras atribuídas ao ilustre e benfazejo cidadão Mané Matta, são menções positivas ao homem empreendedor que tanto honrou a Península onde nasceu, como também foi em Votuporanga a cidade privilegiada que ele escolheu para por em prática as grandezas que formatavam o seu arraigado espírito ibérico.