Berinjela se escreve com jota

1783
Texto de ANTONINHO RAPASSI

Por Antoninho Rapassi

Outro dia aqui neste espaço fiz algumas considerações acerca da jurubeba, bajulando-a ao acrescentar o adjetivo “ruderal”. E foi bom falar sobre a ruderal jurubeba com amigos, porque rendeu boas consequências. Ao filho de um produtor de tomates, na região serrana de Amparo, discorri sobre a enxertia de jiló, de tomate cereja e da berinjela no pé da jurubeba. Dito e feito. Passados alguns meses neste ano pandêmico, voltei a encontrar-me com o tal filho, meu amigo Gabriel. A sugestão que lhe transmiti deu resultados positivos e hoje a desengonçada e espinhenta arvorezinha dos frutos amargos, porém ricos em propriedades alimentares, já fornece a tríplice produção em escala comercial. Sensacional é saber e ver que um pé da jurubeba produz tomate, jiló e berinjela na maior harmonia e … sem as pragas costumeiras.

No Brasil escreve-se berinjela com jota. Em Portugal com gê. Esta leguminosa é alvo de uma universal história, história fantasiosa recheada de ingredientes que fazem arregalar os nossos olhos, em consequência do sobressalto pelas informações imprevistas, ouvidas e não assimiladas pelo nosso cepticismo natural, mania de descrer, duvidar de tudo. Pra começar e para justificar o que afirmei, anotem: a berinjela tem 2.500 espécies e noventa gêneros. Assim, admite-se a existência e multiplicidade dos nomes atribuídos a ela. Suas cores e seus formatos tão diversificados impressionam e encantam. Sedução é a sua sina. Tudo na berinjela é extravagante e proporciona prazeres. Imaginem uma fruta que pode ser grelhada, assada, tornar-se uma pasta, um mousse, uma caponata siciliana, almôndega,  sorvete e além de ser apreciada “in natura” com cerveja, cachaça e vinho de qualquer tonalidade.

A berinjela nasceu para esbanjar sua alquimia. De início, ela apresenta um certo amargor, parece não ter graça. Mas, se a misturarmos com quaisquer temperos então a coisa muda de figura: ela adquire uma consistência que a torna carnuda, saborosa e porque não dizer, de uma fascinação luxuriosa como ficou evidente na detalhada e explícita preparação do Rigatone  no filme tragicômico “Feios, Sujos e Malvados”, de autoria de Ettore Scola e com Nino Manfredi no genial papel principal.

Não me esqueço de um repto que fiz certa vez, a um amigo: cônscio da minha devotada paixão pelo precioso ingrediente culinário, afirmei que seria possível criar um restaurante especializado só em berinjela. Nos 365 dias do ano a casa poderia apresentar diariamente, em seu cardápio, receitas diferentes e sem repeti-las. Até hoje acredito nesta possibilidade alucinante, tamanha a versatilidade de recursos que a berinjela oferece. Crua, tem-se a sensação de estar mordendo um pão esponjoso, ou alguma coisa como um mata-borrão gustativo. Neste sentido já soube de conselhos médicos recomendando comê-la crua para absorver o colesterol, e presenciei pratos com cubos da polpa devidamente salgados, como acompanhamento ideal ao se beber em boteco, esse descontraído ponto de encontro de gente alegre.

Nas minhas andanças por alguns lugares deste mundo a prioridade inicial sempre foi, é e sempre será, a de frequentar mercados e feiras livres. Trata-se mesmo de um compromisso sagrado que cumpro com a maior devoção. Sinto grande prazer em andar com a ligeireza de uma tartaruga e, calmamente, sem nunca pensar em prazo para terminar, tamanha é a minha paixão exploratória. Também pudera: pela frente um sem número de especiarias, onde as cores misturam-se com os perfumes e aromas inebriantes e a seguir, quando a feira livre ou o mercado é daqueles de causar entusiasmos, eu me detenho ante as montanhas de hortaliças. Logo mais, sucedendo-se nas variedades e nas emoções diante dos embutidos de carnes e laticínios, surgem variadas frutas, os legumes, os frigoríficos de aves, de suínos, ovinos, bovinos e dos frutos do mar. Tudo o que se vê num mercado exige atenção e, naturalmente neste momento surge a inspiração para uma natural formulação que resultará em nova receita gastronômica.

Vi berinjelas brancas, amarelas, roxas, pretas, verdes e púrpuras. Admirei as berinjelas ovaladas, outras curvas como uma adaga árabe, e até vi as que lembram as gônadas masculinas. Portanto, tamanho, formato e cores tão diversos desta festejada solanácea, nenhuma supera a espécie conhecida como a “monstruosa de Nova York”, berinjela que pode chegar a pesar 4 kg. E para compensar, também nos Estados Unidos existem berinjelas com o tamanho e formato de um ovo de galinha. São as berinjelas conhecidas pelo nome de “eggplant”.

A berinjela sofreu uma tenaz perseguição em sua atribulada e milenar existência: foi acusada de causar epilepsia e até de demência. Na Itália ela era designada como “mala insana”= “maçã louca”. Eis a razão de ser chamada de “melanzana” na terra de Dante. O tempo, como é o senhor da Razão, alterou princípios e conceitos tanto que hoje a berinjela chega a ser quase endeusada.

Ainda não me considero um “berinjélogo”, mas declaro ter irresistível prazer em me alimentar bastante dela. Sobretudo, gosto de fazer pesquisas sobre novas maneiras de preparar pratos salgados ou doces, para depois levá-los à mesa e obter a aprovação dos comensais. Por fim, vou registrar aqui uma receita várias vezes repetidas com sucesso. Antecipo-lhes meus cumprimentos pela pantagruélica decisão em fartar-se neste prato saborosíssimo que fiz e faço de “orelhada”:

                                            FETTUCCINE DE BERINJELA

Modo de Fazer, considerando a prévia noção e sensatez de peso e medida:

  • Cozinhar o fettuccine com bastante água fervente (e salgada) até ficar al dente. Reservar
  • Lavar os tomates e retirar peles e sementes. Reservar
  • Em uma panela, refogar o alho com a cebola na manteiga. Acrescentar o tomate, o sal e a pimenta. Deixar o molho cozinhar por 30 minutos em fogo brando. Adicionar o manjericão e desligar o fogo.
  • Lavar a berinjela, retirar a casca e cortar em tirinhas.
  • Cortar o filé de frango também em tirinhas.
  • Dourar a berinjela no azeite, juntamente com o frango. Adicionar o molho e deixar levantar fervura.
  • Cobrir o fettuccine com o molho. Guarnecer com parmesão ralado e servir.
  • Um bom vinho tinto é recomendável, para acompanhar este regabofe.

 

22 de Setembro de 2020