“Quando vi as fotos dos meninos, foi amor à primeira vista e já sabia que seriam meus filhos.” É dessa forma que Andreia Aparecida de Souza descreve sua primeira impressão sobre os irmãos Daniel, à época com dez anos de idade, e Renato, com cinco. Há dois anos, os garotos proporcionam à professora a realização de um sonho: ser mãe. O encontro foi promovido pelo programa Adote um Boa-Noite, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que estimula a adoção de crianças e adolescentes com mais de sete anos ou com deficiência, dando visibilidade aos jovens em casas de acolhimento e destacando suas principais características e seus sonhos.
Foi por meio do site http://www.tjsp.jus.br/adoteumboanoite que Andreia conheceu os meninos, em fevereiro de 2021, e decidiu que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para construir com eles uma família. O que começou com troca de cartas e chamadas a distância foi se convertendo, aos poucos, em encontros presenciais, passando por todo o ciclo de vinculação e adaptação temporária até, enfim, a concretização do processo de adoção, em julho daquele ano.
Desde então, a maternidade de Andreia foi cercada pelos desafios que envolvem cuidar de qualquer criança ou adolescente. Mãe solo, ela contou com suporte de grupos de apoio, psicólogos e, sobretudo, de seus próprios familiares para conhecer melhor os filhos e desenvolver com eles laços afetivos. “Temos momentos difíceis, como toda família, mas hoje nossa relação é muito mais tranquila e os meninos se sentem acolhidos em casa. Sou apaixonada por eles”, diz.
A chegada de Daniel e Renato significou para Andreia o fim de uma espera de cerca de três anos na chamada fila de adoção, o que só foi possível graças a uma mudança de perfil. “Minha ideia inicial era adotar crianças entre dois e cinco anos, mas comecei a participar de grupos de adoção e acabei modificando meu perfil para crianças um pouco mais velhas”, afirma a professora. “Eu sei que não acompanhei os primeiros passos dos meninos, mas podemos vivenciar juntos momentos que foram muito importantes para o desenvolvimento deles.”
Números
Andreia faz parte de um grupo muito restrito de adotantes que têm preferência por crianças e adolescentes de idade mais avançada. Segundo dados divulgados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 33,9 mil pretendentes cadastrados e cerca de 4,3 mil crianças disponíveis para adoção no país (23% delas no Estado de São Paulo), das quais 1.905 já estão vinculadas a alguma etapa de adoção. Das 2.478 restantes, ou seja, aquelas que ainda não contam com nenhum adotante interessado, 2.264 (91%) possuem oito anos ou mais, mas esse perfil atende aos anseios de apenas 6% dos potenciais pais adotivos – o que ajuda a explicar por que a conta não fecha. Esse percentual diminui ainda mais para crianças acima de 10 anos, faixa etária desejada por somente 2% dos cadastrados. Além disso, 95% dos pretendentes têm preferência por crianças sem deficiência e 61% desejam somente uma criança ou adolescente, o que inviabiliza a adoção de irmãos.
O Adote um Boa-Noite se destaca na contramão dessas estatísticas. Desde 2017, quando criado, promoveu a adoção de 74 jovens. Além disso, atualmente há 13 acolhidos em fase de aproximação e 22 em estágio de convivência nas cerca de 30 comarcas participantes. Em 2018, o programa foi reconhecido nacionalmente entre as práticas mais inovadoras do Poder Judiciário ao vencer o Prêmio Innovare, o mais renomado na comunidade jurídica do Brasil.
Famílias como a de Andreia, Daniel e Renato vivenciam no dia a dia a importância que um boa-noite tem para quem adota e para quem é adotado: um misto de proteção, acolhimento, pertencimento e gratidão. Histórias como essa também confirmam a máxima de que nunca é tarde para adotar. “Esse é um mito sobre a adoção tardia que precisa ser desconstruído. Muitas pessoas têm medo, mas são crianças que precisam de uma família e, com certeza, contribuem muito com quem está acolhendo. A adoção é uma via de mão dupla, pois, no fim das contas, eu também acabei sendo adotada pelos meus filhos”, diz a mãe dos dois jovens.
Como adotar
Para adotar uma criança ou adolescente é preciso ter mais de 18 anos e, pelo menos, 16 anos a mais que o(s) adotado(s). Os interessados devem procurar a Vara da Infância e da Juventude do município ou da região em que residem, fornecendo original e cópia simples ou autenticada dos seguintes documentos:
- Carteira de identidade
- CPF
- Certidão de casamento ou de nascimento, se solteiro, ambos de expedição recente
- Comprovante de residência (conta de água, luz, telefone etc.)
- Comprovante de rendimentos ou documento comprobatório equivalente
- Atestado ou declaração médica de sanidade física e mental
- Fotografia do(s) pretendente(s)
- Atestado de antecedentes criminais
Os interessados passam por entrevista psicossocial e visita à residência. Depois dessa avaliação e do parecer do Ministério Público, toda a documentação é enviada ao juiz da comarca, que é o responsável por autorizar a inclusão dos pretendentes no Cadastro Nacional de Adoção. A partir daí, os futuros pais entram na fila da adoção e aguardam por uma criança ou adolescente que atendam o perfil desejado – o tempo de espera é menor para acolhidos com maior idade.