Antoninho Rapassi
Ao me despedir do Acadêmico Aristêo Seixas, subi no bonde que me levou até à Rua Xavier de Toledo e, antes de descer bem ao lado do Mappin calculei como eu iria ser mais um, naquela multidão de mão dupla. Aqui preciso deixar clara a minha paixão por prédios históricos; como se eles fossem beldades cinematográficas descontraídas. À minha frente, lá estava o majestoso Theatro Municipal de São Paulo, obra do Arquiteto Ramos de Azevedo e, descendo as escadarias laterais iria ver novamente a imponente estátua de Ruy Barbosa e o pé de carvalho ao lado, que o próprio “Águia de Haia” acomodou a planta no solo fértil do Vale do Anhangabaú. Portanto, precisei fazer uma logística de cobra para, serpenteando aquela azáfama de pessoas assaz atribuladas, chegar são e salvo do outro lado do Viaduto do Chá.
Lembrei-me, nesta ocasião, que estava bem próximo da “velha e sempre nova Academia do Largo de São Francisco”. Foi outra visita que fiz, pensando em toda a atmosfera na qual estaria envolvido proximamente naquelas arcadas, quando deixasse Votuporanga à busca de sonhados protagonismos – tão ansiados pelo meu irrequieto espírito. Era sob aqueles arcos graníticos cantados em prosa e verso, que se formava grande parte da “Intelligentsia” nacional.
Embarquei de volta na Estação da Luz no trem das 18:00 horas, portando os Diplomas assinados e mais quatro livros da autoria do poeta Aristêo Seixas. Dois foram oferecidos a mim, sendo que um, o “Livro de Isa”, dele me servi quando me dei conta que em sua capa lá estavam os traços ideais para se constituir na arte-final do rótulo para a Cachaça “São Paulo da Garoa”, que lancei no mercado em 2001. Portanto, 40 anos depois da visita, saboreei o encanto daquela pintura que havia participado da Semana de Arte Moderna, em 1922 e que me cumulou de elogios ao usá-la na divulgação da Cachaça temática em que exaltei os valores da velha Piratininga bem como os predicados etílicos do meu destilado da “saccharum officinarum”.
Sentado e finalmente descansando da maratona bem sucedida na Paulicéia Desvairada, antes que os sacolejos me aninhassem nos braços de Morfeu, pus-me a pensar seriamente no desconforto de ter que elaborar um discurso de posse na Academia Votuporanguense de Letras, abordando a obra filosófica de Jackson de Figueiredo. Lembram-se de quando mencionei ter trazido para a viagem um livro maçante? Pois este livro me apresentava um carrascal intransponível de ideias daquele pensador católico. Primeiramente, eu não conseguia manter a concentração diante de frases inatingíveis deste tipo: “Intolerância é amor de verdade, e tanto da Suprema Verdade, como de qualquer verdade. É a face exterior da convicção, que por sua vez é a face interior da verdade, que, se não depende de nós para ser, só o é para nós quando a procuramos, a amamos, e sabemo-la defender.” Entenderam? Eu não! A única certeza que apurei foi esta: para escrever com tamanha subjetividade não foi leite que ele bebeu. A este Jackson de Figueiredo eu preferia o Jackson do Pandeiro.
Na minha tímida opinião, foi grave o erro da imposição do nome do Patrono da cadeira. Sendo o primeiro a ocupar a cadeira, caberia ao acadêmico escolher livremente o nome, observando seus méritos literários, além de vários etcéteras previstos nos Estatutos. Por exemplo, o nome do meu Patrono deveria ser o Apparício Fernando Brinkerhoff Torelly, mais conhecido pelo seu pseudônimo Barão de Itararé. Um baita intelectual que fez da ironia a sua grande arma de combate que matava muita gente…de rir! O Barão de Itararé reinou nos grandes jornais do Rio de Janeiro. Sarcástico, espirituoso, era amado e temido nas mesmas proporções. Dele, desde que conheci seus ditos mordazes e os pensamentos bem pensados, além das considerações encomiásticas feitas pelo Ernomar Octaviano, declarei ser seu fã e mais do que eu, só o meu filho Ulisses. Convencido e orgulhoso pela hipotética mudança que iria ser autorizado a fazer, comecei a alinhavar as bases divertidas do meu discurso de posse. Vejam com quais frases do Barão, eu poderia contar: “A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda”, “Quem ama o feio é porque o bonito não aparece”, “Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado”, “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”, “Diga-me com quem andas e eu te direi se vou contigo”, “Pobre come frango só quando um do dois está doente.” Com vários livros de sua autoria, o Barão de Itararé iria dar imensa contribuição ao meu trabalho exigido na posse efetiva da cadeira. Quanto ao Jackson de Figueiredo, à Deus! Eram meus votos para que vivesse com Ele na Eternidade, ele o terráqueo que se notabilizou como pensador católico e finou-se nas águas traiçoeiras do Atlântico, ante o desespero do seu filho que a tudo assistiu.
Era Domingo aquela manhãzinha ensolarada de Dezembro de 1961, quando desembarquei na Estação Ferroviária de Votuporanga sobraçando grosso envelope, 4 livros de poesias e mais um. O corpo estava cansado, mas em compensação quanta euforia na alma abarrotada de novos projetos e que exigiam pressa.
Incontinenti, entreguei o envelope e os dois livros ao Professor Azor, em sua casa ainda à hora do almoço dominical, dando por concluída a missão a mim confiada. À noite daquele dia, na Praça encontrei-me com amigos que tinham a força de moverem mundos e fundos: Toninho Lourenço, Walter Lourenço, Mauro Marzochi, Agostinho Sartin e o saudoso Alicério Roberto. Amigos como estes sustentavam a nossa euforia coletiva que buscava a felicidade. Felicidade que era ter iniciativas inéditas, ter metas exequíveis, ter perspectivas de sonhos. E o ano que se aproximava, 1962, transformou os projetos meticulosamente programados nas mais vibrantes realidades. Grandes e belos amigos.
No primeiro encontro com o Anísio Garcia Martin, relatei toda a minha idealização pela troca do Patrono, tendo conseguido a sua adesão e os prognósticos favoráveis para a aclamação do nome do incomparável mestre da irreverência e jornalista genial que esgrimia com o espadachim no lugar da pena.
Setembro de 2020