Voz rebelde e imortal

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O documentário Rita Lee: Mania de Você, lançado pela Max, traz imagens raras da vida íntima da cantora e registros nunca antes exibidos. (foto divulgação)

Com diversos álbuns e duas autobiografias, Rita Lee se aposentou em vida, mas não findou. A história dela tem inspirado documentários sobre a trajetória musical, voz do feminismo e questões íntimas. O radialista e docente Alexandre Lobão compartilha a visão que tem da cantora, com quais paradas ela brilhou nas rádios e como o rádio pode sobreviver em meio aos streamings de música

@leidiane_vicente

“Primeira mulher a liderar uma banda no Brasil”; “Rita Lee virou a rainha do rock”; “A Rita chegou pra quebrar muitas barreiras”; “Os assuntos que a Rita tocava… Quem falou isso?”; A Ritinha abriu caminho para as cantoras”; “Livre… rebelde”; “A maior estrela do rock do Brasil”.

Estas são algumas das falas de personalidades brasileiras sobre Rita Lee Jones de Carvalho no documentário Rita Lee: Mania de Você, lançado este mês, pela plataforma de streaming Max.

Dirigido pelo argentino Guido Goldberg, o filme não é apenas uma biografia, é um retrato emocional e afetivo da artista. Entre depoimentos de Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Lucinha Turnbull e Roberto de Carvalho, o documentário traz imagens raras da vida íntima de Rita e registros nunca antes exibidos.

Apesar de ter recebido muitas críticas sobre omitir a fase da cantora com a banda Mutantes, talvez por questões de direitos autorais, mesmo assim a obra consegue captar para além da personagem icônica de cabelos vermelhos da música nacional.

Outro documentário lançado, também, neste mês, com exibição exclusiva nos cinemas, é o Ritas. Homenageando com feitio sensível a vida e trajetória da artista, foi dirigido por Oswaldo Santana e codirigido por Karen Harley.

Rita Lee dispensa apresentações formais, entre todos os discos e sucessos da carreira, como Ovelha Negra, Lança Perfume, Caso Sério e Mania de Você, ela se aventurou na publicação de livros infantis e lançou duas autobiografias.

É incrível notar o quanto o seu falecimento, em oito de maio de 2023, aos 75 anos, não colocou fim à sua marca registrada. Ao contrário, provocou a necessidade de trazer à tona quem foi e continua sendo essa voz irreverente, transgressora e feminista.

Radialista desde 1988 e docente há mais de duas décadas, Alexandre Lobão fala que os anos 1990 foram marcantes musicalmente e culturalmente. (foto arquivo pessoal)

Conforme o radialista e docente Alexandre Lobão, os anos 1990 foram muito marcantes quanto as músicas de Rita Lee. Ele cita algumas que eram paradas da rádio, como Dona Doida, Cor de Rosa Choque e Erva Venenosa.

Nesse embalo, a década noventista foi encarregada de explosões socioculturais. As rádios FM se consolidaram como principal meio musical, com som de qualidade e programação segmentada. A MTV brasileira foi a precursora das exibições de clipes, nacionais e internacionais, e os apresentadores lançavam tendência de moda e estilo, juntamente com os artistas das novelas.

Foi entre 1996 e 1998 que a Internet ganhou espaço na vida dos brasileiros. Para resumir a história, no início de 2000 surgiu o formato MP3 e de lá para cá a relação das pessoas com a música foi completamente modernizada.

Rita Lee acompanhou de perto todas essas modificações da indústria musical e cultural, se mantendo presente e enfática nos mais diferentes formatos, tanto analógico quanto digital.

Porém, durante o período da ditadura militar no Brasil, a cantora sofreu com muitas composições censuradas, é o que mostra o documentário Mania de Você. Trechos como “Me faz de gato e sapato, e me deixa de quatro no ato” e “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra” são alguns exemplos.

É possível que esses conflitos tenham colaborado para que as músicas Lança Perfume e Cor de rosa-choque tenham conquistado sucesso acentuado.

“Para mim, quanto mais eles censuravam, mais ela ia lá e fazia músicas sempre trazendo temas relevantes a várias situações socioculturais de cada época. Viveu a ditadura, o gravador de fitas, vinil, Internet e streaming e as redes sociais. Atravessou o tempo e fez a sua história. Uma artista completa”, retrata Lobão sobre a postura rebelde de Rita.

Voz primordial do feminismo brasileiro, ela habilitou a feminilidade muito mais com forças a que fragilidades, abordando questões sobre igualdade de gênero, liberdade sexual e empoderamento.

“Foi a mulher que desbravou o terreno para as vozes femininas que cantam e encantam. Ela que pegou a enxada e capinou o mato para a mulherada, cantoras e artistas de hoje. Uma personalidade de suma importância para a cultura brasileira”, diz o radialista acerca do mérito dela para o movimento feminista e musical.

Repleta de excentricidade e talento, Rita Lee deixou um legado insubstituível e incomparável.