TJ condena estado a indenizar em R$ 150 mil homem preso por roubo que não cometeu após carta provar sua inocência 

793
Vinicius Villas Boas, de 37 anos, foi condenado injustamente por um roubo que ocorreu em 2016 em José Bonifácio — Foto: Vinicius Villas Boas/Arquivo pessoal

Vinicius Villas Boas, de 37 anos, foi preso injustamente em 2017 por um roubo em José Bonifácio/SP. Ele foi inocentado em março de 2023, com a ajuda de uma carta escrita por outro presidiário.


O Tribunal de Justiça condenou o Estado de São Paulo a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 150 mil ao homem que ficou preso por dois anos por um crime que não cometeu e foi absolvido com a ajuda de uma carta escrita por outro detento do Centro de Detenção Provisória (CDP) de São José do Rio Preto/SP.

O analista de princing Vinicius Villas Boas foi acusado de ter cometido um roubo a uma casa, em 2016, e um furto em José Bonifácio/SP. Ele foi detido, recorreu em todas as instâncias e, mesmo negando os crimes, foi preso no CDP de Rio Preto em agosto de 2017.

Na prisão, Vinicius encontrou um homem que relatou conhecer os verdadeiros ladrões que praticaram o crime e escreveu uma carta contando a história.

A partir disso, a Justiça reavaliou a sentença do analista e, em março de 2023, reconheceu a inocência dele pela primeira vez, com a publicação da decisão que o absolveu do roubo. Em julho do mesmo ano, Vinicius foi absolvido do segundo processo criminal relacionado ao furto.

FOTO: (A5-5A) – Carta escrita por detento provou inocência de homem acusado a mais de sete anos por roubo em José Bonifácio — Foto: Nugri Campos/Arquivo pessoal

Na sentença, emitida nesta terça-feira (20.fev), a juíza Patrícia Persicano Pires determinou que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo deve pagar o valor, além de um salário mínimo mensal, durante o tempo de prisão indevida.

“No caso, como dito, a prisão ilegal decorreu de falha do serviço público. Não se pode negar que a prisão é causadora de dano moral. O sofrimento por ela experimentado é inegável e independe de demonstração”, escreveu a juíza.

O advogado de defesa de Vinicius, Nugri Campos, informou que vai recorrer da decisão, já que considera o valor baixo diante dos danos causados à vida do analista. 

Também insatisfeito, Vinicius disse que o valor determinado pelo TJ na indenização não paga os custos do processo e, por isso, quer recorrer. Segundo ele, enfrentar os dois processos por crimes que não cometeu o trouxe represálias, cautela, medo e traumas. 

“Quantos ‘nãos’ e quantas portas fechadas, mas nós vencemos pela persistência e esforço. Fico feliz que o TJ reconheceu o erro do estado. Porém, os números são insatisfatórios, não pagam nem as custas do processo. Pedimos um valor justo e vamos recorrer”, ressalta Vinicius. 

Vida na prisão 

Todos os dias, Vinicius lembra que acordava achando que seria o seu último dia na prisão. Quando foi preso no CDP, ele revelou que precisou tomar remédio para conseguir dormir. 

“Foi um choque, eu não acreditava que estava preso, me tiraram de casa com um filho pequeno. Quando eu cheguei à prisão, fiquei uma semana sem comer nada. Até eu ter coragem, passava noites em claro. Então, pedi atendimento para eu descansar e comecei a tomar diazepam”, relembra. 

Enquanto cumpria pena por um crime que não cometeu, o analista começou a trabalhar dentro do presídio na limpeza, na distribuição de marmitas e no escritório. 

“Ali, para não ficar vulnerável, eu comecei a entender que eu tinha algum propósito. Comecei a trabalhar, saía da cela às 6h e voltava às 18h. Fui responsável pela limpeza, coordenei a reforma do presídio, distribuía marmita. Mas também vi gente querendo morrer. Sem o cuidado, você pira”, afirma. 

Na tentativa de progredir ao regime semiaberto, Vinicius explicou que passou pela avaliação médica e pela conversa com a psicóloga. No entanto, ele disse que, por não admitir a ela o crime que não havia cometido, não conseguiu a progressão. 

Sem provas 

O roubo pelo qual Vinicius foi condenado ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2016, quando quatro homens invadiram uma casa em José Bonifácio e fugiram com vários objetos. 

Segundo o advogado do analista, a vítima do roubo chegou a reconhecer Vinicius como um dos envolvidos no crime, por meio de fotos apresentadas pelos investigadores. Apesar disso, a defesa alega que a aparência dele não batia com a descrição inicialmente fornecida pelo homem. 

De acordo com o processo, no BO, a vítima relatou que o criminoso era um indivíduo forte, pardo e com cabelo “tigelinha”. Já Vinicius é negro e, na época do crime, era obeso e tinha o cabelo raspado. 

Durante o andamento do processo, a mulher modificou sua descrição dos criminosos e deixou de reconhecer Vinicius como um dos envolvidos. Para a defesa do réu, a maneira como os investigadores conduziram o reconhecimento, por meio de fotos e, mais tarde, apresentando Vinicius com os trajes da prisão, influenciou a postura da vítima. 

Para o analista, a cor da pele dele, uma das únicas semelhanças com o verdadeiro autor do roubo, também influenciou na prisão, mesmo que ele negasse o crime. 

“A cor influenciou muito. No primeiro dia, quando eu me mudei de São Paulo para Mendonça, a polícia me abordou na frente do banco achando que eu ia roubar, porque eles nunca tinham me visto na cidade. Engoli isso seco”, afirma. 

Além das características que não batiam com a descrição informada pela vítima, Vinicius tinha um álibi: o depoimento formal de um homem que confirmava que ele estava trabalhando como pintor no dia e horário do crime. 

Absolvição 

Foi no presídio que Vinicius conheceu o homem que viria a escrever a carta que o ajudaria a conseguir a absolvição. O encontro representou uma verdadeira “luz no fim do túnel”, pois a defesa dele já havia esgotado todos os argumentos para convencer a Justiça de que as provas no inquérito eram insuficientes. 

Com a possibilidade de apresentar novas provas para a sentença ser reavaliada, o advogado foi ao presídio para conversar com o detento, que afirmou conhecer toda a história de Vinicius, além de saber quem eram os verdadeiros culpados pelo roubo. 

Nugri, então, pediu que o preso escrevesse a carta à mão e a entregou à Justiça. Com ajuda da advogada Ingryd Silvério, uma audiência online foi marcada, e o preso contou ao juiz tudo que havia escrito. 

Na ocasião, o TJ-SP entendeu, depois de sete anos, que a condenação de Vinicius contrariou o conjunto de provas. Após dois anos e dois meses preso, sendo quase dois anos em regime fechado, ele foi liberado. 

Quando soube da notícia da absolvição, informada pelo próprio advogado de defesa, Vinicius e a esposa não seguraram as lágrimas e os gritos de felicidade. 

*Com informações do g1