Carlinhos Marques
Entrei esses dias em uma empresa e em cima da mesa do rapaz que me atendeu, tinha um calendário. Isso! Um calendário ali marcando o final do ano, o último mês do ano. Mas tinha algo particular, meio que pessoal até no calendário daquele rapaz. Nos dias anteriores do calendário dele, ele havia feito um X, e um X ali mesmo em cima do quadradinho onde fica o número do dia. Com uma caneta grossa até, inclusive me pareceu clara aí a intenção, que naquele ambiente de trabalho, fazendo isso, ele teria menos risco de errar a data de algum documento, um cheque que ele fosse preencher… então ele olhando ali, o dia que não estivesse riscado, seria o dia de hoje, o dia que ele estaria vivendo. Eu vi naquela atitude como um recado também para mim, uma forma clara de ver para ele e também para mim que aqueles dias não existiam mais!… Isso quer dizer muita coisa, sabe, porque muitas vezes para nós o passado não passa! A gente traz o passado junto para o nosso presente! A gente não faz um X no ontem como deveria fazer e aí gente, essa ideia de se contar o tempo, de se fracionar em horas, dias, meses, anos, tem essa utilidade. E no começo do ano vem para gente essa animadora ideia de recomeço; no tentar de novo, como não só um ano novo estivesse nascendo, mas também um ‘eu novo’ estivesse começando. A gente se empolga né, com a possibilidade do carro novo, da casa nova, da roupa nova, mas a possibilidade do tempo novo não é só quando a gente muda de ano. Por que não inaugurar um tempo novo quando a gente muda de segundo? É também uma fração do tempo; o tempo nos sugere isso, o tempo nos sugere essa ideia de recomeço, como se ele dissesse para nós assim: ‘eu me refiz, já me tornei novo; e você?’
Existe um movimento que veio dos Estados Unidos e começou no Brasil, se não me engano, no final dos anos 70, começo dos anos 80, que se chama ‘Amor Exigente’. Eu ajudei inclusive a fundar esse movimento aqui na minha cidade e eu lembro bem que no começo da reunião, a pessoa que estava conduzindo, perguntava: ‘que dia é hoje?’ E todos respondiam de forma firma, e sei que até meio decorada, mas sugestiva demais; todos diziam: ‘é o primeiro dia da minha nova vida!’ Então eu estou aproveitando esse clima de começo de ano onde as pessoas soltam fogos para comemorar essa fração nova do tempo, chamada ano, para que a gente enxergue e comemore também o novo que vem do próximo minuto. Nessa época de início de ano as pessoas se encorajam para desafios, metas que você já deve ter ouvido, como por exemplo, as ‘promessas’ de perda de peso, já deve ter ouvido, ou até mesmo feito também tal regime que fica sempre marcado para a segunda-feira, ou para o dia 02 de janeiro… Pois é, gente, mas talvez, o maior peso que a gente traz do ano passado, não seja a gordura! Quantos pesos que a gente vem trazendo acumulados, de anos e anos atrás! Veja, o carro, a casa, a roupa nova, elas ocupam o lugar do velho e nós deixamos muitas vezes o ano velho vir ocupar lugar no nosso ano novo e com todo o seu peso. E aí o tempo novo já começa velho, já começa pesado; é o tal do ‘passado que não passa’. Eu fiquei olhando esse ano os fogos do réveillon e eu me perguntava: será que as pessoas sentem esse ‘explodir’ por dentro também? Será que brilha no escuro da nossa alma uma luz de um propósito de recomeço? Um recomeço de dentro para fora, um verdadeiro renascer? Porque na verdade as coisas em nossa volta serão as mesmas; não existe diferença no exterior. Você voltou para seu trabalho e as pessoas são as mesmas, seu ambiente de trabalho é o mesmo; me desculpe parecer frio, mas o sol é o mesmo, a árvore lá da rua da sua casa, do seu trabalho, que você passa para ir para o seu trabalho, é o mesmo, os prédios das ruas são os mesmos… Então, comemorar o que? O que tem de novo aí? Só terá o novo que eu inaugurei em mim pela sugestão que o tempo me deu! Esse é o verdadeiro sentido: inaugurarmos uma nova perspectiva de vida, entender que é preciso fazer um X realmente nos dias do ano passado, no mês passado, dia passado, quem sabe até no segundo passado. Enxergar essa página em branco pronta para ser escrita. Ela me foi oferecida no ano passado também; talvez até eu nem tenha gostado do que eu escrevi no ano passado. A comemoração, os fogos se justificam quando vejo na minha frente a oportunidade de escrever uma história nova! Faça do passado como aquele cômodo na nossa casa, sabe, onde a gente guarda o que não usa mais! O passado serve para isso: guardar o que eu não quero trazer para o meu futuro; uma caixa para guardar aquilo que me incomoda e que não há necessidade de continuar comigo, de continuar do meu lado. Minhas atitudes, as atitudes dos outros, nos chateiam, nos magoam, então eu deixo guardado lá nessa caixa chamada ‘passado’. Um ano novo, um tempo novo só merece esse nome se a gente fizer com que ele seja realmente novo! Eu acho até providente demais o Ano Novo se iniciar logo depois do Natal! Porque não existe nada mais cristão do que o novo! Jesus deixou claro que veio para nos dar vida nova e nos textos bíblicos não faltam personagens e situações que inauguraram vida nova a partir do encontro com Cristo; desde a prostituta que pelo seu passado iria ser apedrejada, até o ladrão lá na Cruz, isso mesmo, aquele ladrão que só lhe restava alguns segundos novos: ele ao se encontrar com o Mestre, pode comemorar o seu novo! E que a gente também tenha essa sensibilidade de inaugurar tempos novos, a cada instante, a cada momento que se apresenta para nós, como perspectiva de novo!… Eu sou Carlinhos Marques da Comunidade Novo Sinai.
- Carlinhos Marques Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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