A inveja como a injustiça, tem uma coisa em comum, todo mundo é alvo, mas ninguém se admite, invejoso ou injusto.
É o tal do pecado sem pecador.
No caso da inveja em específico é um caminho interessante para conhecermos melhor a alma humana.
Para isso é importante que a gente comece separando a diferença entre inveja e cobiça. A cobiça é desejar algo que não tenho, seja bens e até virtudes do outro, o que pode fazer dela algo positivo, eu vejo coisas e virtudes do outro, procuro saber como ele fez para conquistar, e faço disso um modelo pra mim, o outro me serve de exemplo.
Agora, a inveja sempre será negativa, ela é, vamos dizer assim, como uma tristeza que se sente pela felicidade do outro, imagino que o outro é feliz porque ele tem exatamente aquilo que eu não tenho, e se acaba por não tolerar a suposta felicidade alheia, se cria uma dor porque se imagina que a felicidade alheia se construiu com aquilo que não tenho.
São Tomás de Aquino definiu bem a inveja: “Nem sempre é querer ter o que o outro tem, mas se incomodar pelo que o outro sente com o que ele tem.”
A raiz da inveja está na incapacidade de ver o outro como um todo, mas ver o que o outro tem, deixando de lado qual foi o caminho que o outro caminhou, quais foram as batalhas para a conquistas, as noites de sono sem dormir. Na verdade, a inveja é um tipo de cegueira, que só vê resultado final, e não vê a correria nos noventa minutos do jogo.
Então resumindo, poderíamos até dizer com toda ressalva do peso da palavra, que pode haver sim, uma cobiça positiva. Agora, a inveja nunca será positiva, pois a postura do invejoso nunca será de ação, mas de olhar as conquistas do outro, só olhar, talvez por isso na cultura popular o invejoso é chamado do “olho gordo”.
Veja que pessoas bem resolvidas, profissionalmente, com suas emoções, na sua vida familiar, tem uma luz própria, e nada incomoda mais o invejoso do que a luz do outro, o invejoso não consegue entender que a sua cura é conviver com seus limites, quando eu falo sobre luz do outro, veja por exemplo, de manhã quando acordamos, se vier um facho de luz direto no nosso olho incomoda, e a gente não enxerga o que tem do nosso lado, é assim com o invejoso, a luz do outro lhe incomoda tanto que ele acaba nem enxergando suas virtudes, que até existem, estão ali, mas sem enxergar suas próprias qualidades vai se tornando infeliz.
Essa atitude de olhar demoradamente só a luz do outro, pode causar uma sobra sobre você, e automaticamente você começa a culpar a luz do outro por essa sombra que te impede de se enxergar. Ao invés de se responsabilizar pelos seus limites, culpa a luz do outro pelo escuro que sua vida se tornou.
A inveja é um dos sete pecados capitais, mas como disse no começo, talvez seja o único não admitido. Os outros pecados capitais não produzem na pessoa um sentimento de inferioridade que a inveja produz, se admitir invejoso seria admitir que o outro ultrapassou uma barreira que eu não consegui ultrapassar, e isso mexe com a estima, com o desejo natural de ser melhor.
Outra característica do invejoso é sempre invejar alguém próximo. Veja muitos personagens que são muito melhores que gente nas suas áreas específicas. A gente admira o jogador de futebol, o artista, que chega a se torna ídolo nosso, por eles dificilmente sentimos inveja, mas tendemos a invejar alguém em situação de igualdade a nossa, que por exemplo ganhou uma promoção no trabalho, alguém da própria família com salário maior.
O inconsciente produz uma certa responsabilidade que devemos conquistar aquilo que nossos iguais conquistaram, se isso for bem trabalhado pode ter o efeito positivo que disse no começo, caso contrário se instala a inveja com toda sua força destrutiva, pois ela pode sim começar com a incômoda comparação com quem está mais perto, teoricamente em condições iguais.
Infelizmente com ou sem pandemia, as pessoas normalmente andam de máscaras, o rosto já não é mais a expressão sincera do que se sente, o rosto se tornou a máscara, pois se pudéssemos enxergar realmente no rosto das pessoas sua verdadeira reação diante de alguém bem sucedido, alguém fisicamente belo, ou alguém com a expressão realmente feliz, perceberíamos a tristeza e até a revolta do invejoso.
Talvez seja quase que impossível fugirmos do invejoso, seja ele a outra pessoa, ou nós mesmos, então, no caso quando formos nós, vamos transformá-la numa cobiça, a mais sadia possível. Se o outro está quase no último degrau da escada do sucesso e você ainda está no degrau intermediário, ou até começando a subida, gaste seu esforço para chegar até lá, e não fazendo o possível para puxar o outro pra baixo, nesse caso a força gasta para puxar o outro, pode até te desgastar mais do que a que você gastaria subindo. Então suba, sem medo que a luz do outro lá em cima produza sombras em você, nem tenha medo que a luz do outro ofusque a sua, aliás não temos luz, nós somos luz, porque somos filhos da Luz, filhos de Deus, e precisamos entender que a luz do outro vem completar a minha, nunca produzir sobra ao meu redor.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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