SOBRIEDADE JÁ: OS LEPROSOS DO SÉCULO XXI

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Carlinhos Marques - Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai

A sociedade hoje, vem colocando os dependentes químicos no mesmo patamar dos leprosos da época de Jesus, o resto da sociedade, a vergonha, a impureza, os merecedores do castigo divino e humano.

Aprendi que o tema tem muito mais a ver com nosso cotidiano do que gostaríamos de reconhecer. A sociedade carece de informação, se restringe à audácia da dedução, isso se dá na micro sociedade familiar, e com o próprio usuário, é regra acolhemos pessoas com a estima baixíssima, pois ouviram da sociedade e da família, que se trata uma simples opção, o uso.

Desde o século passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera a dependência química uma doença, mas essa informação não chega na sociedade, chegam sim, notícias policiais, justificando-se a marginalidade e as atitudes dos leprosos do século 21.

Sabemos que as drogas atuam no sistema compensatório, seja ele o físico ou emocional, portanto, se há algo a se compensar, se deduz que algo falta ou faltou, e nós, “fatia sadia da sociedade” sabemos identifica-las? Muito pouco, aliás, somos sim, uma sociedade criando mais necessidades, moda, padrão de beleza e ascensão social, que não atingidos, aumentam as carências e automaticamente as necessidades compensatórias.

Não bastasse, relacionamentos familiares, funcionais, afetivos se liquidificam, o individualismo impera, as carências aumentam.

Nossos acolhidos apresentam dificuldades na volta ao convívio familiar, voltam para uma família que também adoeceu e não teve a oportunidade de se tratar, aumentando aí a chances de recaída.

Acredito que a alternativa é aproximar o humano ao divino, não uma simples visão mística de milagre, isso permite ao dependente químico, acreditar no que ainda não consegue ver, nem sentir. Veja que falamos de espiritualidade e não religiosidade.

A assistência a um dependente químico, deve sim ser profissional, mas também vocacionada, apaixonada. Intervenções amadoras podem ser desastrosas. O tratamento deve ser multidisciplinar, integrando espiritualidade, psiquiatria, psicologia e terapias.

Recentemente num congresso Mundial com mais de 60 países onde tive oportunidade de ministrar uma palestra, americanos e europeus se surpreendem com nossos índices de recuperação, do que gosto de chamar “tratamento humanizado”, mesmo com recursos financeiros infinitamente menores.

O uso de drogas pode ser sim, um desvio de caráter, mas todos temos desvios de caráter, e a maioria não enxerga, nem trata essas falhas. Não nos conformamos que os outros tenham “pecados diferentes dos nossos” e drogado é terrível demais pra ser perdoado.

Observar nosso caráter nos ajuda a salvar a vida, nossa ou de outro, nos ajuda a ser mais autêntico, mais livre do perfeccionismo, dos rótulos preconceitos.

Não fiquemos sozinhos na luta contra o caráter, contra comportamentos disfuncionais, pois como no caso dos leprosos, ela é também é acirrada, e a meritocracia perversa da sociedade ao invés de nos dar liberdade nos prende.

Portanto como o dependente químico, precisamos é de respeito, sem esquecer que temos sim, muito a aprender um com os outro.

Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”

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