Sinceramente acredito que a palavra amor, ou seu suposto significado, seja a mais citado nas poesias, nas músicas, nos livros, nos filmes, em peças de teatro. É a palavra que exprime um sentimento de atitude, talvez o verbo mais completo e mais complexo em todas as línguas do mundo.
Quero tocar nesse assunto, muito mais pela descaracterização que ele tem sofrido ao longo da história e principalmente na história recente: hoje nós vamos falar sobre amor.
Quando você ouve a palavra amor, o que vem de imediato na sua cabeça?
Provavelmente na maioria das pessoas vem a ideia de relacionamentos afetivos, românticos, principalmente entre um homem e uma mulher, esse relacionamento que é cantado na maioria das músicas, que é enredo de filmes, livros e tal. Mas como nos outros temas que já abordamos aqui, a intenção é dar um olhar mais demorado, mais pleno e é isso que vamos fazer.
Certa vez o Renato Russo, vocalista da Banda Legião Urbana, durante um show, perguntou para as pessoas: “Quem aqui já teve um amor que não foi correspondido?”
E essa pergunta justamente num clima de show, provavelmente depois de ter cantado uma música romântica, ele sai com essa pergunta! E ali no meio, imagino, daqueles sorrisinhos sem graça, um olhando para o outro, provavelmente se lembrando de paixões antigas, começaram a se manifestar, erguendo a mão, imaginando assim, ‘eu tive um amor que não foi correspondido’. Imagino até que foi a partir dos mais velhos, porque quanto mais idade você tem, mais relacionamentos você cultiva, portanto seria normal que tenham identificado também mais “amores não correspondidos”.
Foi aí que ele, Renato, deu ‘a senha’ para uma interpretação mais correta do que é amar:
“Se você se relacionou com alguém esperando ser correspondido, isso foi tudo, menos amor!”
Exatamente porque essa é uma das essências do amor, não esperar nada em troca, o amor não espera correspondência; ele se dá gratuitamente.
A gente não ama as expectativas, a gente ama a realidade!
Percebe aí o primeiro equívoco sobre amor?
Como as pessoas instintivamente levantaram a mão, “já tive sim um amor, e não correspondido?” Espera lá: então você estava esperando uma correspondência daquilo que você estava dando? E chama isso de amor?
Tem uma cena interessante no filme Madre Teresa de Calcutá, que conta a história da hoje já canonizada Santa Teresa de Calcutá, onde ela estava agachada, com aquele jeitinho simples, humilde, frágil dela, cuidando de um leproso e um grupo de políticos estava passando pela rua. Um deles chegou do lado e ficou olhando aquele cuidado todo, aquele carinho todo com aquele leproso, e acabou dizendo para ela: “Madre, sinceramente eu não faria isso que a senhora faz por dinheiro nenhum!” Aí ela erguendo a cabeça e com um sorriso que expressava até pena daquele homem e respondeu: “Por dinheiro eu também não faria!”
O que moveu a vida daquela mulher, o que a moveu a essas atitudes?
O amor!
É essa a diferença, essa é a sutileza do relacionar-se com amor e sem amor. Onde existe interesse não é amor!
Olha só, num final de ano, já faz um tempinho, uma história que aconteceu na minha família, nos reunimos para ceia do Natal, cada um trouxe um prato diferente e foram colocados à mesa. Acontece que tinha um prato que chamou mais a atenção: era uma travessa grande com maionese toda decorada, colorida, e ficou realmente um prato bonito. Uma pessoa que estava presente, uma criança, na época, disse assim: “Nossa vó! Você fez maionese? Eu amo maionese!” Todo mundo entendeu que ela estava dizendo que gostava muito de maionese…
Acontece que eu, um pouco mais observador, logo no final da oração, vi que aquela criança que disse que amava maionese, foi a primeira que pegou um prato e uma colher e desferiu, vamos dizer assim, vários golpes naquela maionese, de cara já descaracterizou toda aquela beleza, tirou um grande pedaço pra si e começou a comer…
Veja bem: ela disse que amava a maionese, mas na verdade ela amava aquilo que a maionese poderia dar em troca para ela, que era o sabor, que era saciar a fome, aquilo que era prazeroso para ela. Percebe que as pessoas acham que amam aquilo as satisfaz?
A prioridade no amor nunca deve ser uma busca por satisfação; eu posso até gostar ou ter paixão, daquilo que me satisfaz, mas amor vai além.
Aliás, falando em paixão, existe uma máxima interessante para distinguir amor de paixão: o amor nunca irá se transformar em ódio; agora a paixão pode sim se transformar em ódio. Consegue separar?
Veja, se abrirmos os noticiários policiais, não só as recentes, imagino que isto seja comum na história, vemos a quantidade de homicídios, principalmente de homens contra suas ex-companheiras, ex-esposas, ex-namoradas, simplesmente porque elas decidiram romper o relacionamento; aí aqueles que diziam amar, matam em nome desse suposto amor.
Ainda dizem: “Se não ficar comigo, não fica com ninguém!” Olha a maionese aí: eu vou lá e destruo; é a paixão que se transformou em ódio, nunca foi amor, no máximo uma paixão que é algo muito mais raso, mais vazio.
Vejo as pessoas dizerem hoje com muita facilidade que amam, nas músicas, nos recadinhos das redes sociais, é muito comum, mas é muito líquido, se banalizou a expressão “eu te amo”.
Vou te dar uma dica: antes de você dizer para alguém “eu te amo”, pergunte para si mesmo se alguma vez você já perdoou essa pessoa.
Eu penso que é muito difícil ter certeza plena que ama alguém se ainda você não tenha passado pelo desafio de perdoar…
O perdão vem antes do amor!
Precisamos passar antes pelo teste do perdão para saber se o amor é verdadeiro.
Ah você acha que ama alguém mais ainda não precisou perdoar nenhuma vez? Estaria disposto e com capacidade para isso? Lembre-se que o perdão só tem sentido realmente se a pessoa a ser perdoa não merece… Acontece que na hora da decepção se instala imediatamente o ódio, a repulsa com aquele que amava… O sentimento que toma conta é de vingança.
Tem uma carta escrita por Paulo aos Coríntios, que traz a tradução plena do que é o amor. Olha só é uma carta bíblica escrita há dois mil anos atrás e o mundo ainda não conseguiu entender seu recado, seu conteúdo…
E quando Jesus disse que o homem não precisava de mais a não ser amar, o homem descaracterizou o sentido pleno do amor para ficar mais fácil de cumprir como um mandamento…
Na verdade, adaptamos o amor a nossa maneira
Que a gente amplie nossa visão sobre o amor, e quantas vezes eu tenho amado de verdade, e quantas vezes meu amor é como o amor daquela criança com a maionese.
O amor chega para nós não quando alguém diz “eu te amo”, mas quando esse alguém te olha, e aquele modo de olhar te convence de que você é amado!
E pra encerrar leve esse pensamento de Santo Agostinho:
Ame, e faça tudo que quiser…
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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