Quando a Terra Árida Floresce: Reflexões de um Professor 

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor 

Quando o despertador tocou na manhã de segunda-feira, confesso que o primeiro pensamento que me veio à mente foi: “Mais uma semana…”. Mas, como tantos professores por aí, sacudi a poeira, ajeitei a mochila e segui rumo à escola. Enquanto aguardava o ônibus, lembrava da frase que ouvi anos atrás de um veterano de nossa profissão: “Educar é semear esperança, mesmo onde o solo parece árido.” Na época, achei bonito, mas hoje entendo o peso e a profundidade dessas palavras. 

É que, no dia a dia, o solo muitas vezes parece mesmo árido. Nem sempre a criança chega com aquele brilho no olhar e vontade de aprender. Algumas chegam famintas, outras machucadas pela violência ou pela ausência em casa. E nós, professores, precisamos ser o adubo, a água, o raio de sol que insiste, mesmo quando a terra não parece pronta para florescer. 

Deixe-me contar uma história. Há alguns anos, recebi na minha sala um aluno, um garoto do terceiro ano do ensino fundamental. Era um menino quieto, de olhos tristes, que quase não interagia. Nas primeiras semanas, percebi que ele estava muito atrasado em leitura e escrita. Um dia, durante uma atividade de interpretação de texto, me sentei ao lado dele e perguntei o que estava acontecendo. Ele levantou os olhos e disse baixinho: “Professor, eu sou burro. Nunca vou aprender isso.” 

Sabe aquele soco no estômago? Foi assim que me senti. Mas me recompus, olhei nos olhos dele e disse: “Você não é burro. Você é inteligente e tem um monte de coisas boas dentro de você. A gente vai descobrir isso juntos, combinado?” 

E ali começou a nossa jornada. Trabalhei com ele em momentos extras, nas horas de intervalo, com paciência e carinho. Aos poucos, ele foi se soltando, ganhando confiança. Lembro do dia em que ele leu sua primeira história completa para a turma. Ele tremia, mas os colegas aplaudiram, e vi um sorriso que nunca tinha visto antes. 

Mas nem sempre é assim tão claro, tão “sessão da tarde”. Tem dias em que a gente prepara uma aula cheia de capricho, mas os alunos estão dispersos. Aí, é fácil se perguntar: “Vale mesmo a pena?”. 

Deixa-me dizer: vale. Porque educar é sobre plantar sementes, e muitas vezes não veremos o fruto dessas sementes. Mas elas estão lá. 

Certa vez, fui surpreendido por uma antiga aluna que me encontrou por acaso. Ela sempre parecia desafiadora, com uma postura que afastava mais do que aproximava. Durante o tempo em que convivemos na escola, tivemos nossos atritos, mas eu nunca deixei de tentar mostrar que acreditava no seu potencial. Quando me viu, ela abriu um sorriso e disse algo que me marcou profundamente: “Professor, obrigada por não desistir de mim. Hoje estou na faculdade por sua causa.” Eu chorei. Sim, no meio do supermercado. 

Para você que está começando na profissão, talvez este seja o maior desafio: acreditar que seu trabalho tem valor mesmo quando o retorno não é imediato. 

E para você que já está nessa estrada há anos e sente o peso no corpo e na alma, lembre-se: nós não somos apenas professores. Somos agentes de transformação. Cada sorriso que arrancamos, cada palavra de incentivo que damos, cada segundo que dedicamos é um tijolo no castelo que estamos ajudando a construir. 

Então, quando o desânimo insistir em bater, lembre-se de que a sala de aula é um espaço sagrado. É ali que vidas são moldadas, sonhos começam a tomar forma e, às vezes, até mesmo almas feridas encontram um pouco de cura. Muitas vezes, o ambiente pode parecer caótico, mas é nesse caos que a mágica acontece. Cada pergunta curiosa, cada olhar intrigado, cada pequeno progresso é um lembrete de que estamos contribuindo para algo muito maior que nós mesmos. Somos escultores, não de mármore, mas de corações e mentes. 

Pense no poder que você carrega em suas mãos. Não são apenas palavras ou equações que você ensina; é o respeito, a empatia, a coragem para enfrentar desafios. Você é um farol que guia aqueles que ainda não conhecem o caminho. E, embora a jornada seja árdua, é também profundamente gratificante. Porque, ao ensinar uma criança, você não muda apenas o futuro dela; você transforma também as gerações que virão. 

Por isso, nunca subestime a força de um gesto simples. Um sorriso encorajador, uma palavra de apoio, uma demonstração de que você acredita no potencial de cada aluno pode fazer toda a diferença. Mesmo que você não veja o impacto imediato, ele está lá, germinando como uma semente. E um dia, talvez anos depois, você perceberá que aquela pequena atitude foi o ponto de virada na vida de alguém. 

Ser professor é muito mais do que ensinar conteúdo. É formar seres humanos, é enxergar além das aparências, é ter a paciência de quem entende que cada criança carrega suas batalhas e que, por vezes, a escola é o único refúgio seguro que têm. É lidar com a responsabilidade de ser exemplo, mesmo nos dias em que você se sente menor do que as expectativas que recaem sobre seus ombros. 

Há dias em que o cansaço nos consome e parece que os desafios nunca terão fim. Mas é exatamente nesses momentos que precisamos lembrar que o trabalho do professor é como o de um jardineiro que planta uma árvore: ele talvez não veja os frutos, mas sabe que está contribuindo para um futuro mais verde, mais vivo. Assim como aquela árvore cresce silenciosamente, nossos esforços também ganham força, mesmo que em silêncio. 

A beleza da educação está no invisível, no que não se pode medir com notas ou relatórios. Está nos sorrisos de quem finalmente compreendeu, nos abraços tímidos de quem encontrou confiança em si mesmo, nas cartas deixadas sobre a mesa dizendo “obrigado por acreditar em mim”. Cada momento desses é uma flor que desabrocha, e cada flor nos relembra que estamos no caminho certo. 

E, quando a primavera finalmente chega, o jardim que se revela é mais bonito do que poderíamos imaginar. Ele é feito de histórias, de conquistas, de vidas transformadas. E, ainda que nosso nome não esteja assinado nesses capítulos, nosso impacto estará para sempre ali, em cada página. 

Quem educa espalha raízes que atravessam o tempo e florescem em futuros que jamais conheceremos. 

Por isso, siga. Inspire. Plante. E quando pensar em desistir, lembre-se: o amanhã sempre guarda a possibilidade de um novo florescer. Porque educar é, antes de tudo, um ato de fé no futuro.

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