Passar pano para bandido

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Em meio a um novo ataque a escola em São Paulo e à guerra civil miliciana no Rio de Janeiro, a “passação de pano” tem se tornado expressão política popular para se referir à segurança pública. E se há uma pauta que ferrenhamente divide as supostas esquerdas e direitas, é esta.

Tornando aos clichês, de um lado a bandidolatria, do outro, “bandido bom é bandido morto”; de um lado os direitos humanos, do outro, “direitos humanos para humanos direitos” e assim por diante.

Bruno Arena – Foto: Reprodução

Esta semana o Partido Novo republicou em seu Instagram, com um carimbo de “falso”, uma postagem do Ministro da Justiça e da Segurança Pública Flávio Dino dizendo que: “O maior programa de Segurança Pública é melhorar a vida da população, como o presidente Lula está fazendo com a volta do Bolsa Família, saldo positivo de empregos, menos inflação, escola de tempo integral e obras do Novo PAC”.

Na mesma postagem o Novo dá sua posição: “a principal causa da violência é a certeza da impunidade”, encerrando com o desacordo do partido com a passação de pano para bandidos.

Quem está certo, o Ministro Flávio Dino ou o Partido Novo? Ambos estão corretos e nenhum deles ao mesmo tempo, vou explicar o porquê.

Como já disse algumas vezes nestas colunas, os posicionamentos políticos não costumam trazer uma análise mais profunda da questão, o que é característico da política de massa.

Neste embate o que difere são as abordagens, que são distintas, e ambas têm suas vantagens e desvantagens: o ministro abordou a questão pelo viés preventivo da segurança pública, já o partido Novo se posicionou pelo viés repressivo.

Um dos fatores desta distinção vem de como é encarada a raiz da criminalidade: a abordagem preventiva tende a pensar que um ambiente violento, de impunidade, de desigualdade social e de pobreza gera mais crimes, já a abordagem repressiva tende a pensar que o crime é uma escolha individual e baseada apenas no livre-arbítrio do sujeito.

Façamos uma analogia com a educação de crianças. Suponhamos que seu filho pequeno pegue o brinquedo de outra criança em um parque de diversões e o quebre de propósito. Quais as alternativas para o responsável: 1. dar uma surra inesquecível no filho para que ele nunca mais faça isso (repressivo extremo); 2. dar uma palmada (repressivo); 3. colocar ambas as crianças frente a frente, fazê-lo pedir desculpas e comprar outro brinquedo para o prejudicado (justiça restaurativa com reparação de danos); 4. ficar falando na cabeça do seu filho que o brinquedo não era dele, que ele não poderia tomar de outra criança, que se fosse o contrário ele não iria gostar, etc., por diversas vezes, até aprender (abordagem preventiva).

O castigo vem do sistema penal pela aplicação da pena de prisão ou outra alternativa; se o castigo for uma “surra”, temos uma rigidez do sistema – é assim quando se pede aumento das penas e a própria pena de morte –, se os pais prezam pela educação no respeito ao brinquedo alheio e tentam melhorar sua condição econômica para que seu filho não precise mais pegar brinquedos de outras crianças, o trato é preventivo por políticas públicas.

Qual é mais trabalhoso? Por certo o preventivo, pois os resultados só aparecerão depois de muito tempo de educação. Também é certo que uma melhor distribuição das riquezas de um país gera menos pressão social, vide Europa.

Qual a melhor opção, a repressiva ou a preventiva? As duas devem conviver até que o ser humano evolua e seja mais humano: ainda é uma utopia pensar, como os abolicionistas, no fim dos sistemas de castigos vigentes, mas ele deve caminhar, no viés repressivo, paulatinamente da “surra” para a “palmada” e para a restauração, em observância aos direitos humanos; até lá, devemos melhorar preventivamente a condição de dignidade da vida em sociedade com empregos e melhor economia.

Armar a população já estaria em nenhum viés, pois o Estado deixaria para as pessoas a responsabilidade da sua segurança, o que é incoerente até mesmo com a ideia de Estado mínimo, em que deveriam ficar com o Estado a segurança interna e externa do país, e a vigência dos contratos.

Constitucionalmente o trato da segurança pública está no artigo 144 com a seguinte redação: “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

O conceito de segurança pública é vago, mas podemos entende-lo como paz social, e neste ponto os meios de comunicação aparecem como essenciais: notícias frequentes sobre violências e “mortes matadas” causam uma percepção de insegurança muitas vezes maior do que a realidade.

Certo é que, a criminalidade deve ser mantida em níveis aceitáveis, querer erradicá-la só fará com que, ao final, reste apenas um delinquente, o próprio Estado, que ainda será impune.

Danilo: Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga.  Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.