Por Roseli Arrudha
O Brasil foi o maior território escravagista do Ocidente, com quase 5 milhões de africanos escravizados. A mão de obra escrava foi utilizada em larga escala, alguns escravos apelidados de “tigres” eram os responsáveis pela coleta e despejo da urina e fezes dos moradores das cidades e essa prática durou cerca de 300 anos. Durante esse longo período da história, a maior parte das casas brasileiras não contavam com banheiros, água corrente ou algum outro tipo de instalação sanitária, as pessoas faziam as necessidades em “penicos” que ficavam sob as camas até a manhã seguinte, quando eram esvaziados em grandes tonéis que comportavam todos os dejetos dos moradores da casa. Esses tonéis eram carregados nas costas pelos escravos, que os levavam até o mar ou a algum rio e por lá os despejavam. Parte do conteúdo, que continha ureia e amônia escorriam dos tonéis e deixava marcas brancas sobre a pele negra, parecidas com listras, daí surgiu o apelido em tom pejorativo de “tigres” ou “tigrados”.
Segundo alguns historiadores em algumas regiões do Brasil havia escravos ‘tigres’ até o final do século 19, principalmente pela falta de interesse do poder público na implantação de sistemas de tratamento de esgoto. Muita coisa não mudou, da década de 1950 até o final do século passado, o investimento em saneamento básico no Brasil ocorreu pontualmente em alguns períodos específicos e atualmente, em pleno século XXI, várias cidades brasileiras litorâneas estão totalmente poluídas e ainda existem inúmeros locais sem nenhum tipo de tratamento de esgoto. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que 15 mil mortes e 350 mil internações ocorrem anualmente em decorrência da falta de saneamento básico. De acordo com as pesquisas 104 milhões de pessoas (quase a metade da população) não têm acesso à coleta de esgoto e 35 milhões de brasileiros não têm água potável, ou seja, metade da população brasileira vive literalmente “na merda”. Apesar dos números alarmantes para um país que busca desenvolvimento, o mais incrível é que as pessoas não têm consciência da gravidade do problema e não reivindicam seus direitos. No Brasil o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição Federal e definido pela Lei nº. 11.445/2007 como o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais, portanto, de acordo com a nossa constituição nenhum brasileiro poderia estar vivendo em condições precárias por falta de água potável e tratamento de esgoto. Muitas obras são feitas no país em nível de infraestrutura, mas o saneamento foi esquecido por não ser uma obra de prestígio público. Investir nesse segmento sempre foi visto como “enterrar dinheiro sem retorno de voto” por sucessivos governos, na realidade o acesso ao saneamento básico está longe de ser democrático no Brasil e enquanto essa discussão não chega a um consenso no Palácio do Planalto, metade da população brasileira segue vítima da contaminação de doenças como dengue, malária, hepatite A, leptospirose, febre amarela e covid-19. Os “tigres” do esgoto do passado, hoje são as crianças pobres das favelas que brincam no meio das fezes boiando a céu aberto e também milhares de famílias que fazem comida, lavam as suas louças e tomam banho com água insalubre contaminada com bactérias coliformes fecais e por incrível que pareça, de acordo com relatório mundial sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos feito pela ONU, são os pobres que pagam mais pela água e não os ricos.