Os 30 anos da moeda que mudou a história do Brasil

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Rafael Cervone é o presidente do CIESP e primeiro vice-presidente da FIESP - Foto: Reprodução

No dia 1º de julho próximo comemoraremos os 30 anos de um dos mais importantes episódios da História do Brasil: o lançamento do Real, expressão monetária do plano que extirpou a hiperinflação, instituído em 27 de fevereiro de 1994, com a publicação da Medida Provisória 434. Era o Governo Itamar Franco, tendo Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda, posteriormente eleito presidente da República.

A MP criou a Unidade Real de Valor (URV), estabeleceu regras de conversão, iniciou a desindexação dos preços e determinou o nome, padrão e equivalência financeira da nova moeda. Sem dúvida, foi a mais ampla estratégia econômica realizada no Brasil. Seu êxito baseou-se em diversos instrumentos para a redução da inflação. A idealização do projeto, a elaboração das providências de governo e a execução das reformas monetárias contaram com a contribuição de vários economistas, como Rubens Ricupero, Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Winston Fritsch e Gustavo Franco.

Em 1º de julho de 1994, ocorreu a concretização do programa, com o início da circulação da moeda. Toda a base monetária brasileira foi trocada de acordo com a paridade legalmente estabelecida: 2.750 cruzeiros para cada Real. A inflação acumulada até junho alcançou 815,60%. Em 1993, atingiria absurdos 2.477,15%. Foi caindo paulatinamente e oscilando em patamares baixos, ficando em 5,97% em 2000, último ano do Século 20.

O Real havia sido a sétima moeda a circular num período de duas décadas, no qual vários “pacotes” equivocados minaram nossa economia, afetando seu desempenho e sua credibilidade internacional. Esperamos que seja nosso padrão monetário definitivo. Para isso, porém, é preciso manter os fundamentos basilares para o controle da inflação, a começar pelo equilíbrio fiscal. Por isso, defendemos a realização da reforma administrativa, de modo que tenhamos um Estado menos oneroso e inchado e mais produtivo e capaz de prestar serviços eficazes à sociedade nas áreas da saúde, educação, segurança pública, habitação, saneamento básico e infraestrutura.

Também é imprescindível o fomento da indústria de transformação, de maneira que a produção nacional atenda o mercado, evitando-se a chamada inflação de demanda, que ocorre quando a oferta de produtos é menor do que a procura. Infelizmente, o setor tem sido muito prejudicado nas últimas quatro décadas. Sua participação no PIB caiu de aproximadamente 20% para cerca de 11%, enquanto recolhe desproporcionais 30% do total de impostos no País.

A manufatura continua sofrendo com o “fogo amigo” do setor público, como a tentativa do governo, com a Medida Provisória 1.227/2024, de proibir a compensação dos créditos de PIS e Cofins, representando bilhões em prejuízos para as empresas. Felizmente, essa investida foi barrada pelo Senado. A concorrência desleal é outro obstáculo, como se observa na desigualdade tributária entre as empresas brasileiras e as plataformas internacionais de e-commerce, que estavam isentas, desde agosto de 2023, dos impostos para remessas de até US$ 50. Agora, mesmo com a aprovação de alíquota de 20% pelo Congresso Nacional, a diferença continua grande, pois a indústria e o varejo nacionais arcam com uma taxação total que chega a 90%. Além de tudo, as encomendas acima dos US$ 50 também obtiveram melhor tratamento tributário do que os produtos nacionais.

O setor produtivo também foi apenado com a tributação das subvenções para investimento e custeio (incentivos de ICMS – Lei 14.789/2023), que acarreta perdas estimadas em R$ 25,9 bilhões. Como se não bastasse, instituiu-se a limitação temporal ao aproveitamento de créditos tributários federais decorrentes de decisão judicial (Lei 14.873/2024), com perdas estimadas em R$ 24 bilhões.

Esses exemplos recentes evidenciam as barreiras para se produzir em nosso País, que incluem excesso de impostos, ciclos duradouros de juros altos, insegurança jurídica, dificuldade de acesso ao crédito e competição desigual com empresas de outras nações, subsidiadas pelos seus governos (e, às vezes, até pelo nosso, com medidas como a isenção concedida às plataformas internacionais). Tudo isso constitui o chamado “Custo Brasil”, que representa ônus adicionais de R$ 1,7 trilhão por ano para operar aqui em relação à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Apesar de todos os obstáculos, a indústria e os setores produtivos têm honrado os 30 anos do Plano Real, com muito trabalho, resistência e capacidade de superação. Que a comemoração das três décadas do programa e da moeda que mudaram a História do Brasil inspire os governantes, políticos e autoridades a trabalharem na direção certa para colocar nosso país numa irreversível trilha de crescimento econômico, inclusão social e desenvolvimento.

*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).