O peso da pressa e o valor da pausa: antes de ensinarmos, respiramos!

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor

Há momentos em que o silêncio fala mais alto do que qualquer discurso inflamado. Em tempos de pressa, de metas, de cobranças incessantes e de um imediatismo que engole a essência do que é ensinar, eu convido você, leitor, a fazer uma pausa. Respire. Silencie por dentro. Ouça este texto como quem escuta uma velha canção que conhece bem, mas esqueceu como começa.

“Silêncio para escutar um texto”. Que bela ironia. Porque o que mais falta hoje à escola — e à sociedade como um todo — é justamente esse espaço de escuta. A escuta verdadeira. Aquela que não visa responder, rebater ou correr para o próximo tópico da pauta, mas que acolhe. Que compreende. Que desacelera.

Escrevo hoje não apenas como professor. Escrevo como alguém que já chorou no banheiro da escola entre uma aula e outra. Como alguém que, mesmo exausto, ficou até mais tarde planejando uma atividade para alcançar aquele aluno que não se conecta com nada. Escrevo como alguém que já quis desistir, e muitas vezes ainda quer. Mas que, por alguma teimosia do coração, insiste.

Temos uma urgência de desacelerar nos dias de hoje.

Vivemos tempos em que o tempo nos escapa. E o verbo “ensinar” tem sido conjugado com a pressa do capital, com a urgência dos números e com o desespero das estatísticas. As metas vêm antes dos nomes. Os relatórios pesam mais que os cadernos. E os planejamentos são menos sobre aprender e mais sobre cumprir — cumprir carga horária, currículo, grade, exigências externas que pouco ou nada conhecem do chão da escola.

A pergunta que não quer calar é: até quando suportaremos essa velocidade desumana?

Nós, professores, temos sido exigidos como máquinas, mas ainda sangramos como humanos. É cruel a contradição de sermos formadores de gente enquanto somos tratados como peças substituíveis. A profissão que deveria ser a base de todas as outras está fragilizada, subvalorizada e, muitas vezes, invisibilizada.

As salas de aula se tornaram campo de resistência, quem pisa todos os dias numa sala de aula sabe: ali é campo de batalha e também de resistência. Lutar contra o desinteresse, contra a evasão, contra a violência estrutural, contra o cansaço crônico. Mas também resistir — porque há algo de sagrado nesse ofício. Resistir porque ainda há brilho no olhar de quem aprende. Resistir porque sabemos que um gesto, um livro, uma conversa pode mudar uma vida inteira.

Ser professor hoje é carregar o peso de mil funções: psicólogo, assistente social, socorrista emocional, digitador de atas e avaliações, artista de improviso, gestor de conflitos e, entre tudo isso, educador. E é preciso dizer: não fomos formados para isso. Fomos formados para ensinar, para mediar saberes, para transformar realidades — não para sobreviver a elas.

Mas não se esqueça que antes de sermos professores, somos humanos. Sim, somos profissionais. Mas antes disso, somos pessoas. Temos corpo, cansaço, dores não vistas. Temos família, sonhos, limites. E, sobretudo, temos direito ao cuidado.

O que me assusta é que a lógica da produtividade desmedida chegou com força ao espaço escolar. Reuniões pedagógicas são arenas de cobrança. Relatórios trimestrais viraram instrumentos de opressão. “Alcançar metas” se tornou mantra, enquanto o bem-estar docente virou rodapé de pauta, quando lembrado.

Já ouvi de um gestor: “a dor do professor não pode atrapalhar o calendário”. E isso me destruiu por dentro. Porque quando a dor do professor é ignorada, o que se ensina é desumanidade.

O que está nos matando?

Estamos adoecendo. E quando digo “adoecer”, não falo apenas de diagnósticos clínicos — embora eles também estejam se tornando alarmantemente comuns na nossa categoria. Falo de uma exaustão ética, emocional e simbólica. Uma espécie de esgotamento da alma.

O que está nos matando é o silêncio sobre isso. A naturalização da sobrecarga. A ideia de que “professor sofre mesmo”. Não, não deveria ser assim. E não podemos aceitar que seja.

Há algo perverso nessa cultura do “dar conta de tudo”. Porque ao nos empurrar para essa roda-viva, tiram de nós o direito ao erro, à pausa, à fragilidade. E o mais grave: acabam nos convencendo de que o problema somos nós — quando, na verdade, o sistema é que está doente.