O Pesado Fardo de Ser um Ex

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Por Antoninho Rapassi

As esvoaçantes capas pretas dos estudantes de Coimbra lhes conferem uma aura de romantismo e de audácias, cantadas em prosa e verso e embaladas pelas águas límpidas do Mondego.

A capa preta, que reveste o dorso mil e uma vezes abraçado e festejado da estudantada, como sinal de afeto e gratidão, no entanto já é um fardo cuja tendência natural será a do aumento do seu peso. Peso, do qual muitos ex viverão carregando uma triste sina: a sina de ser um ex. Qualquer ex! Seja um ex- namorado, um ex-prefeito, um ex-governador, um ex-presidente, um ex-marido e assim por diante. O único que se salva deste naufrágio é o filho, que jamais será um ex. Não existe a figura do ex-filho!

Dentro de mais alguns meses teremos uma grande safra de ex-prefeitos, ex-vice-prefeitos e ex-vereadores que começarão a trilhar o seu calvário. Com este, é chegada a hora das noites insones, das comparações sem fim, dos diálogos ríspidos que o ex mantiver com todos os seus antigos colaboradores e que, naturalmente nem o travesseiro ouvirá os palavrões destas refregas imaginárias. É uma luta surda, muda e hipotética. E o que é pior: pelo resto da vida!

Aquele que um dia foi, ao deixar de sê-lo, estará condenado a atravessar este Rubicão desafiador. A todo o momento a memória, esta companheira implacável estará cobrando, analisando, julgando, aplaudindo ou condenando o pobre que um dia foi poderosa autoridade e que agora, cabisbaixo e trôpego, ostenta a sua capa preta identificadora de ex. E um ex é pra sempre. Não há como renunciar ao prefixo “ex”, ele veio para ficar e ficar grudado, queira ou não queira.

Penso em tudo isto por querer bem a um amigo que vai terminando um duplo mandato de alcaide. Homem rico e acostumado às delícias de uma vida semelhante àquelas descritas pelo Califa Harun Al-Rashid em suas novelas do Crescente Oriente. Sei que este amigo envidou os seus mais nobres esforços para honrar a confiança nele depositada e, ao concluir o seu tempo, o saldo é positivo, é favorável e desta forma ele dá um reluzente polimento na tradição da própria família, caracterizada com dinamismos animados pelo trabalho. No entanto, após fechar pela última vez a porta do seu gabinete, ele carregará consigo uma herança que é de toda, inimaginável. A mais pueril das suas observações custará angústias e palavrões à moda do Bolsonaro. Imaginemos então as outras contrariedades de maior gravidade, devendo ressaltar que a estas dificilmente se imputará o crime da corrupção, tão arraigado no espírito doentio de quase todos os que se alçam na vida através do voto popular.

A gravidade em se viver com o rótulo de ter sido, mas agora não é mais, faz dele um condenado a carregar, como sua mais legítima identificação, a referência ex. Ocorre-me elementar lembrança, pois todos nós de alguma maneira também somos ex. Daí, imaginar uma torrente impetuosa de situações que nos instiga e nos deixa amolados: é o hipotético caso dos senhores secretários que passaram todo o mandato sem nunca terem apresentado um louvável Projeto em suas áreas específicas, capazes de empolgar a sociedade e contaminar, no bom sentido, a índole irrefreável da juventude, visando uma apoteose futura. E agora, depois que se findou o período da ribalta escancara-se a sofrida realidade. Outro palavrão e o jeito é engolir a seco a ineficiência e falta de inspiração do secretário digno de ter sido exonerado naquela ocasião em que houve tímidas sugestões para que o tal ato fosse cometido. E se o não foi, credite-se à perda da vitalidade que transbordava no início da gestão. Depois, bem depois as coisas vão se arrefecendo e o silêncio ajuda a não cometer mais erros. Chegando ao final da gestão, quando o capim começa a nascer na soleira e o tédio assume o seu papel mambembe e fulminante, a verdade que sobrepaira é “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”. É chegada a hora do cinematográfico “The End” e o retorno às antigas atividades. Aos que amealharam saldos positivos enfrentarão as controvérsias com chances de afagar o amor próprio com êxitos.

Não se pode olvidar o zurzir da sociedade, conhecida pelo termo opinião pública que usa e abusa das críticas acerbas maltratando a vaidade daqueles que foram autoridade. Esta será a fonte de onde jorrarão desgostos e fastios na vida dos ex.