Na Sala de Aula e na Vida: A Alma do Professor Nunca Desiste

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor

Se tem uma coisa que a experiência me ensinou depois de décadas dentro da sala de aula, é que a educação não é apenas sobre ensinar conteúdo. É sobre tocar vidas, transformar realidades e, principalmente, resistir. Porque, vou te contar, colega, ser professor em um país onde a educação não é prioridade é como remar contra a maré com um barco furado. Mas a gente rema. Ah, se rema!

Eu já vi tudo nesse chão de escola. Aluno que chegou sem saber segurar um lápis e saiu escrevendo poesia. Mãe chorando de emoção porque o filho foi o primeiro da família a terminar os estudos. Mas também vi sala de aula sem janela, giz que acabava no meio da explicação, salário atrasado, e gente dizendo que professor “só trabalha meio período”. Vi um colega desistindo porque não aguentava mais, e vi outros resistindo com um brilho no olhar que nem mesmo a maior das dificuldades conseguiu apagar.

E é sobre isso que quero falar hoje. Sobre essa alma do professor que, mesmo diante do caos, não desiste. Sobre essa força invisível que nos faz levantar todos os dias, entrar naquela sala e continuar ensinando.

Dizem que a guerra do futuro será por conhecimento, mas a verdade é que essa batalha já começou faz tempo. E nós, professores, somos os soldados da linha de frente. Só que, em vez de armas, carregamos livros. Em vez de munição, temos palavras. E, no lugar de trincheiras, enfrentamos salas lotadas, estruturas precárias e uma sociedade que nem sempre nos valoriza como deveria.

Mas quer saber? A nossa luta é a mais nobre de todas. Porque, enquanto muitos só reclamam, nós fazemos a diferença na prática. Já vi alunos chegarem sem esperança, desacreditados, e saírem com sonhos que ninguém poderia imaginar. O professor não dá só matéria, dá oportunidades. Dá ferramentas para que aquela criança ou jovem construa seu próprio futuro.

São tantos os desafios, mas acredito que o maior de todos é de ensinar em um país sem educação, não é segredo pra ninguém que a educação no Brasil passa por dificuldades. Escolas públicas abandonadas, falta de recursos, desvalorização da profissão… a lista é longa. Mas vou contar uma história que me marcou e que ilustra bem essa realidade.

Tive um aluno que morava longe, pegava ônibus para chegar à escola e, muitas vezes, vinha sem comer. Ele dormia na aula. No começo, achei que era desinteresse, preguiça. Mas depois entendi: era fome, era cansaço de um menino de 9 anos que, além de estudar, ajudava a mãe catando latinhas.

Poderia ter desistido dele, como o sistema já tinha feito. Mas não desisti. A gente conversou, fui entendendo sua história, e comecei a levar um lanche extra. Nos dias de prova, ele comia antes de responder as questões, e o desempenho dele melhorou. Ele percebeu que importava para alguém. E, no fim do ano, veio correndo me contar que tinha passado de ano sem recuperação pela primeira vez.

Isso, colega, é o que nos mantém de pé. Não são os salários defasados, as greves ou as dificuldades que definem nossa profissão. São os alunos que passam por nós durante toda vida.

Seja em uma escola de estrutura precária ou em uma instituição modelo, a sala de aula continua sendo um dos poucos espaços onde a transformação real acontece. Mas também é um território de desafios constantes.

A tecnologia chegou para ficar, e muitos professores tiveram que se adaptar. Primeiro veio o projetor, depois os tablets, as lousas digitais e, de repente, a gente tinha que dar aula para alunos que preferiam aprender pelo TikTok do que pelo livro didático. Mas sabe o que percebi? O problema não é a tecnologia, mas a forma como a usamos.

Já experimentei usar memes para explicar conceitos de literatura e vi alunos que nunca gostaram de ler se interessarem por Machado de Assis porque fiz uma comparação com uma série da moda. O segredo não está no recurso, mas na forma como nos conectamos com os alunos.

Claro, tem dia que a gente quer sumir. O aluno não presta atenção, a internet cai bem na hora da aula online, o sistema joga mais burocracia em cima da gente… Mas no meio desse turbilhão, tem aquele momento em que um estudante olha para você e diz:

— Professor, agora eu entendi!

E pronto. Tudo valeu a pena.

Se tem uma coisa que machuca qualquer professor, é a desvalorização. Trabalhamos anos para nos formar, continuamos estudando, damos o nosso melhor, e ainda ouvimos gente dizendo que nossa profissão é “fácil”, que “qualquer um pode dar aula”. Mas quem já pisou numa sala de aula sabe: ensinar é uma arte, e não é para qualquer um.

O reconhecimento, muitas vezes, não vem de medalhas, bônus ou discursos políticos. Vem de um ex-aluno que te encontra na rua anos depois e diz:

— Professor, obrigado! Foi sua aula que me fez seguir essa carreira.

E a gente enche o peito de orgulho porque sabe que, mesmo sem troféu, venceu.

Aí fico a pensar sobre a resiliência do que temos: já se perguntou por que não desistimos?

Eu já pensei em desistir. Acho que todo professor já pensou. Mas, toda vez que essa ideia passa pela minha cabeça, lembro de um simples detalhe: se eu desistir, quem vai ficar?

Se todos os professores jogarem a toalha, o que será do futuro?

Sim, o sistema é falho. Sim, somos mal pagos, mal tratados e, muitas vezes, ignorados. Mas o impacto que temos na vida dos alunos é maior do que qualquer dificuldade.

Nosso trabalho é plantar sementes. Algumas germinam rápido, outras levam anos, mas um dia crescem. E quando menos esperamos, florescem.

Caros colegas de batalha, se você está lendo isso e pensando em desistir, respira fundo. Olhe para seus alunos. Veja além das dificuldades. Enxergue a transformação que você causou, mesmo que pareça pequena.

Nosso país pode estar sem educação, mas enquanto existirem professores de alma forte, os olhos dos nossos alunos não se perderão.

E lembre-se: a gente não ensina só com o quadro, o giz ou a tela do computador. A gente ensina com o coração. E isso, colega, ninguém pode tirar de nós.

Vamos juntos. Porque a alma do professor nunca desiste.