
Com 30 anos de carreira, mais de 300 composições e passagens por navios de cruzeiro ao redor do mundo, Gustavo Bombonato reflete sobre formação no interior, trajetória internacional e o novo embarque que o levará a cinco continentes
@caroline_leidiane
No Dia do Músico, celebrado hoje (22), Gustavo Bombonato — pianista, compositor e arranjador nascido em Votuporanga — olha para três décadas de carreira como quem revisita uma partitura extensa, feita de deslocamentos, disciplina e respiros de criação. Para ele, a data marca um período simbólico.
“É um tempo de lembrar que a música é vibração, é a soma de anos de dedicação para, às vezes, cinco minutos de apresentação”, diz.
A relação com a arte começou cedo. Aos 10 anos, ainda estudante, tocava em lojas do centro da cidade e transitava por corais, bandas de baile, grupos escolares e aulas no Conservatório Santa Cecília. Essas experiências, todas restritas ao interior, moldaram o início do caminho, embora também revelassem seus limites.
“Até os 17 anos eu tinha uma ótima bagagem, mas pouco contato com os grandes centros. Em Tatuí, aos 18, as portas se abriram”, lembra.
No Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos — referência nacional — mergulhou no jazz e na MPB e estudou ritmos brasileiros com o pianista André Marques, então integrante do grupo de Hermeto Pascoal. Ali, afirma, está “o passo mais importante” de sua formação.
Da sala de estudos ao convés de grandes navios, Bombonato multiplicou horizontes. Foram 15 anos embarcado, tocando em formações variadas — de jazz quarteto a party bands — e convivendo com o cotidiano intenso do Mediterrâneo, do Caribe e sobretudo do norte da Europa. As paisagens, o clima e a solidão renderam não só maturidade, mas material musical. Ele conta que a canção “Dá-me a paz”, do álbum “Um Respiro”, nasceu em Bergen, na Noruega, “sentado numa pedra da montanha”, inspirado por melodias que remetem ao medieval.
O contato com diferentes públicos também ampliou seu vocabulário musical: tangos, boleros, canções chinesas, standards internacionais — tudo se somou ao repertório brasileiro.
As influências se cruzam em mais de 300 composições, organizadas entre álbuns já escritos (como dois discos de choro, um de tango para camerata e um de baião para big band), músicas avulsas e projetos futuros. A técnica, construída a partir de ferramentas como escalas, arpejos e padrões melódicos, convive com o impulso intuitivo. Para 2026, planeja gravar um álbum de jazz waltz com músicos estrangeiros.
“São 10 composições no total e o nome do álbum será ‘Feelings’”, projeta ele.
O reconhecimento internacional não tardou: seu primeiro disco, “Novos Horizontes Apontam”, foi votado por todos os jurados do Grammy Latino de 2017 na categoria Jazz Instrumental, etapa preliminar da premiação. A lembrança o emociona.
“Fiquei feliz por saber que elogiaram meu álbum. O Brasil é visto no mundo pela Bossa Nova, mas nomes como Hermeto Pascoal ampliaram nossa presença no jazz”, acentua.
Mesmo com carreira longeva e consolidada, Bombonato mantém raízes em Votuporanga e opinião formada sobre a cena local. Ele destaca trabalhos autorais de artistas como Alexandre Viola e Amadeu Álamo, além da atuação de grupos de cultura popular e da Escola Municipal de Artes. Mas reconhece lacunas.
“Falta um espaço dedicado ao instrumental, um piano bar. E os editais municipais, apesar de importantes, ainda precisam de maior investimento para contemplar o custo real de um álbum”, declara. Ele próprio gravou seu disco solo em 2017 com apoio da Bolsa Cultura, que cobriu cerca de 70% do projeto.
Acadêmico da Acilbras (Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil) e Embaixador Internacional da Música, Bombonato também reflete sobre a formação de novos artistas no interior. Além da Escola de Artes e de outras particulares, ele considera que o maior desafio está no acesso a diversidades estéticas.
“É preciso ouvir de tudo. Não se deixar levar apenas pelo que a mídia impõe. Música é estado da alma; muita coisa que ouvimos por aí é produto, não arte”, afirma.
A próxima página da trajetória já está marcada: no dia 7 de dezembro, ele embarca como pianista solo no MSC Magnifica, em Valletta, na Ilha de Malta. Em janeiro, retorna ao mesmo navio para uma volta ao mundo até maio de 2026 — viagem pela qual passará por cinco continentes e visitará Japão, China e Coreia pela primeira vez. “Estou ansioso para conhecer a cultura desses povos. Mesmo sendo uma passagem rápida, acredito que vai agregar muito à minha música”, relata.
A travessia, como sempre, é também matéria de criação. Para um artista cuja vida se desenhou no movimento, entre o interior paulista, Tatuí, mares abertos e palcos de tantos sotaques, o Dia do Músico ressoa como síntese: a música que navega pela imensidão das culturas, absorve cada encontro e segue embalando corpos, ritmos e estilos. Às vezes se insinua na ligeireza do cotidiano, como o dedilhado do piano; outras vezes surge na meia-luz, quando as batidas do coração captam com precisão o tom menor.




