Na semana em que registarmos o falecimento do votuporanguense André Micelli, vale lembrar uma passagem sua como Rei Momo de Votuporanga no Carnaval de 1976. O registro, escrito por Anderson Carvalho, está publicado desde 2015, na pagina do Circuito SESC de Artes.
O Rei raptado em 1976, Andre Micelli, que faleceu nesta semana.
O RAPTO DO REI
(Anderson Carvalho – Circuito SESC de Artes)
Raptar um rei não deve ser tarefa fácil. Certamente, exige um plano complexo, minuciosamente revisado e executado por uma equipe de profissionais altamente capacitada. Estudar a rotina da vítima; seguir silenciosamente seus passos; arquitetar uma emboscada sem testemunhas; seduzir a vítima a morder a isca.
O mundo talvez não saiba, mas tamanha ousadia foi colocada em prática no início da década de 70 na cidade de Votuporanga. Na época, não houve alarde por parte da imprensa e o caso acabou caindo no esquecimento, ficando registrado apenas na memória dos cidadãos locais.
Agora chega de mistério e vamos aos fatos! Por que será que nunca ninguém ficou sabendo sobre um rei ter sido raptado no interior paulista? O impacto dessa ação foi mínimo para a história brasileira pelo simples fato de os seus personagens não serem tão célebres assim. Afinal, o rei não tinha súditos e os raptores tinham como único objetivo sacanear o carnaval de 1976, raptando Vossa Majestade André Micelli — o Rei Momo.
Segundo a tradição, a rainha, as princesas e o rei do carnaval deveriam desembarcar na estação de trem da cidade e serem recepcionados pelo prefeito de Votuporanga, que na ocasião, entregaria a chave da cidade ao monarca. A tão esperada cerimônia dava início ao carnaval e contava com a presença das autoridades locais, da imprensa e de toda a população. Porém, nesse fatídico ano, o evento teve um desfecho inesperado.
Sabendo do itinerário a ser percorrido pelo Rei Momo, que se iniciava na cidade de Valentim Gentil, um grupo de amigos de Micelli, fantasiados com trajes e máscaras que escondiam suas identidades, e liderados pelo famoso André “Porcão”, chegou à estação onde ele embarcaria. Ali, avistaram o monarca acompanhado da rainha e das princesas e jogaram a isca: duas garrafas de uísque barato.
Com gritos de “viva o rei” e nada mais que isso, já que o combinado era o de permanecerem em silêncio para não serem reconhecidos pela voz, os raptores conseguiram chamar sua atenção, caindo o rei na emboscada. Foi então que ele experimentou a bebida e, depois de várias doses, percebeu que o trem já tinha partido.
A partir daí, estando o rei embriagado, o rapto foi facilmente consumado. Contrariando as expectativas do grupo, a voz de André “Porcão” foi reconhecida pela vítima. Ao se verem descobertos, o amigos se assustaram e foram embora, deixando Vossa Majestade no meio da estrada, de cueca, coroa na cabeça e cetro na mão.
O Rei Momo só voltou a ser visto no outro dia de manhã. Dizem que um açougueiro que passava por ali viu a cena e, assustado, correu para a cidade, dizendo ter visto um ET.
A esculhambação é mais antiga do que parece. Segundo a mitologia grega, o mais zoeiro dos deuses se chamava Momo. Foi expulso do Olimpo de tanto aprontar entre as divindades. Mais tarde, ainda na Grécia, durante as festas saturnais, nos primórdios do carnaval, o mais belo soldado era escolhido para gozar de todos os prazeres (culinários e sexuais) possíveis, bebendo e comendo tudo que desejasse. No outro dia, vinha a conta: o rei-soldado era levado ao altar de Saturno para ser sacrificado.
Embora Votuporanga não elegera o mais belo soldado, o Rei Momo de 1976 marcou a história do carnaval da cidade, que atualmente é um dos badalados do estado. O bloco Ôba! atraem foliões de todo o Brasil e de outros países. Novas e bizarras histórias de carnaval não faltam na cidade, certamente.
Texto: Anderson Carvalho | Foto: Acervo Secretaria Municipal de Cultura
Existem controvérsias:
Zeca Pontes (Zé Galinha) foi testemunha ocular da história e garante: “Existem algumas imprecisões no texto. O André Micelli estava sozinho na Estação de Valentim Gentil. A rainha, as princesas e o prefeito o esperavam em Votuporanga. O Rei não chegou a ser embriagado, ele foi levado aos poucos, atraído pelo uísque, que ele adorava, e o colocaram em uma camionete. Ele não foi solto só de cuecas, mas sim vestido de rei. Ele chegou na cidade e o corso já estava no meio do caminho, em frente onde era o Banespa, não no outro dia pela manhã. São apenas detalhes que o André Porcão pode confirmar. O tal açougueiro era o Quico, que ia para o seu sítio.
Bloco de Rua “México 70” que brilhou na Amazonas no começo daquela década
Escola de Samba Deixa Cair (Carnaval de rua – Votuporanga – 1976)