
No dia do Orgulho, Tom Shake fala sobre os desafios enfrentados pela população LGBTQIAP+, os riscos de retrocessos e a importância da visibilidade como ferramenta de transformação social
@caroline_leidiane
O mês de junho é reconhecido internacionalmente pelas comemorações do Orgulho LGBTQIAP+, uma data enfatizada por bandeiras coloridas e desfiles, mas que carrega significados para além dos simbolismos.
A origem está na Revolta de Stonewall, ocorrida em 28 de junho de 1969, em Nova York, quando pessoas LGBTQIAP+ resistiram à violência policial em um bar frequentado por quem era sistematicamente marginalizado. Esse episódio marcou o início da luta organizada por direitos e visibilidade da comunidade em todo o mundo.
Décadas depois, ainda que alguns direitos tenham sido conquistados em países como o Brasil, os índices de violência contra pessoas LGBTQIAP+ permanecem altos. Segundo o mais recente Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil (2023), organizado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), pelo menos 230 pessoas LGBTQIAP+ morreram de forma violenta no país em um único ano. O que inclui assassinatos e suicídios motivados por preconceito.
Diante dessa realidade, Tom Shake, profissional que atua há mais de 11 anos em Votuporanga nas áreas de direitos humanos, assistência social e cultura, fala sobre o significado do mês do Orgulho, os desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAP+ e o papel das instituições na construção de um ambiente mais justo e seguro para todos.
O Dia do Orgulho LGBTQIAP+ surgiu como resposta à opressão e segue como um marco de resistência. Conforme Tom Shake, a data tem um forte componente político, e deve ser entendida muito mais do que apenas celebração.
“O Dia do Orgulho LGBTQIAP+ é, acima de tudo, um lembrete da resistência e criação de políticas públicas. Ele nasceu da dor e da revolta diante da violência policial, da marginalização e da exclusão social, como vimos em Stonewall, e carrega até hoje a força dessa luta. É um dia para celebrar conquistas, sim, mas também para denunciar as violências que ainda persistem. É o dia em que mostramos que existimos, resistimos e exigimos dignidade”, reverbera Tom.
Apesar dos avanços jurídicos conquistados, como o reconhecimento do casamento homoafetivo e o direito ao uso do nome social por pessoas trans, os dados mostram que esses feitos não foram suficientes para barrar a violência e a exclusão. Na avaliação dele, é preciso muito mais do que decisões legais para mudar realidades.
“Revela que leis, sozinhas, não transformam realidades. Temos decisões importantes no STF (Supremo Tribunal Federal) e algumas políticas afirmativas, mas a ausência de um compromisso contínuo do Estado com a educação inclusiva, segurança pública qualificada e combate efetivo ao preconceito permite que a LGBTQIAP+fobia siga matando. A impunidade, o discurso de ódio e a falta de aplicação real das políticas são falhas gritantes”, justifica.
Com o crescimento de pautas conservadoras no Congresso Nacional, direitos conquistados pela comunidade LGBTQIAP+ correm o risco de sofrer retrocessos. Tom Shake chama atenção para os impactos negativos dessas iniciativas, sobretudo em áreas como educação, cultura e saúde.
“Temo o desmonte de políticas educacionais que tratam de diversidade, o avanço de projetos que tentam impedir pessoas trans de acessarem seus direitos básicos, como o uso do nome social, e tentativas de censura à arte, cultura e educação LGBTQIAP+. Também há o risco de que políticas públicas sejam travadas ou revertidas por uma moral religiosa que não respeita o Estado laico”, revela ele sobre os medos da atual ameaça.
Os desafios enfrentados pela população LGBTQIAP+ vão muito além da violência física. A exclusão escolar, o preconceito no ambiente de trabalho e a marginalização social compõem um cenário de opressão constante.
“A violência física e simbólica ainda é um desafio cotidiano. Além disso, temos que enfrentar a exclusão do mercado de trabalho, a evasão escolar por bullying, a dificuldade de acesso à saúde e a marginalização de pessoas trans e travestis. A população LGBTQIAP+ negra, periférica e com deficiência sofre múltiplas camadas de opressão. O desafio é estrutural, e precisa ser enfrentado como tal”, explica.
A presença de símbolos LGBTQIAP+ em campanhas publicitárias é cada vez mais comum, mas nem sempre reflete mudanças reais nas estruturas das instituições. Segundo Shake, é necessário que escolas, empresas e espaços públicos adotem uma postura ativa na promoção da inclusão.
“Não basta colocar a bandeira colorida em junho. É preciso contratar pessoas LGBTQIAP+, promover ambientes seguros, combater o preconceito no dia a dia, incluir diversidade nos currículos escolares e garantir representatividade em todos os níveis de decisão. Formação continuada, escuta ativa e compromisso com equidade são caminhos reais de transformação”, explana ele.
O crescimento do discurso de ódio na internet tem preocupado especialistas e profissionais da área social. Tom afirma que a desinformação e a intolerância nos feeds alimentam práticas de violência fora do mundo virtual.
“Sem dúvida. As redes sociais amplificam discursos de ódio e isso cria um ambiente de legitimidade para a violência. Quando figuras públicas, influenciadores ou políticos espalham desinformação e intolerância, estão alimentando o preconceito que sai do virtual e vira agressão, assassinato, exclusão. A internet não é terra sem lei — combater esse discurso também é uma forma de salvar vidas”, alerta.
Em contraponto, Shake compartilha referências e destaca o impacto positivo de figuras públicas LGBTQIAP+ que ocupam espaços de poder. Para ele, a presença de pessoas como a deputada federal Erika Hilton é fundamental para ampliar o debate e garantir políticas mais justas.
“Me inspiro muito nela. Ela rompeu inúmeras barreiras, trazendo uma voz trans, preta e periférica para o Congresso Nacional. Sua presença é política, corajosa e necessária. Ela representa não apenas uma conquista individual, mas um símbolo de possibilidade para tantas outras pessoas que foram historicamente silenciadas”, destaca.
O simples ato de se mostrar, de existir em público, ainda é uma forma de resistência para pessoas LGBTQIAP+. Isso realça o papel da visibilidade como meio de quebrar estigmas e promover reconhecimento social.
“A visibilidade é um ato de resistência. Quando nos mostramos, desafiamos a norma que tentou nos esconder por tanto tempo. Ver pessoas LGBTQIAP+ ocupando espaços diversos — na política, na mídia, nas escolas — contribui para desconstruir preconceitos, abrir caminhos e fortalecer nossa luta por reconhecimento, respeito e igualdade”, enfatiza.
Ao final, Tom Shake resume o que representa o Dia do Orgulho LGBTQIAP+ para quem ainda questiona sua importância. Trata-se de uma afirmação de existência e dignidade humana.
“Diria que o Orgulho não é vaidade, é sobrevivência. É um grito contra o silêncio imposto, contra os armários forçados e contra os túmulos precoces. É um pedido de respeito, de humanidade, de vida plena. Quem não entende a importância do Dia do Orgulho precisa olhar com empatia e perceber que o direito de existir com liberdade é algo que deveria ser inegociável para todos”, evidencia ele.
O Dia do Orgulho LGBTQIAP+ é necessário porque, em pleno século XXI, muitas pessoas ainda precisam lutar pelo direito de existir com segurança. Enquanto os números da violência continuarem exacerbados e as políticas públicas forem ameaçadas, a celebração do Orgulho seguirá como ato de resistência. Para profissionais como Tom Shake, que atuam no campo dos direitos humanos e da assistência social, promover inclusão, combater o preconceito e garantir dignidade é uma tarefa que deve ser compartilhada por toda a sociedade.