O filme de Esmir Filho que conta essa bela história, estreia no Novo Cine Votuporanga na próxima quinta-feira (15)
Por Caio Coletti (Crítico – OMELETE)
Fazer um recorte da vida do biografado é sempre o maior desafio de um filme como Homem com H. Tanto que é normal ouvir, em campanhas de imprensa para este tipo de filme, os criativos envolvidos nele justificando a decisão de onde começar e onde terminar suas histórias, frequentemente repetindo o refrão “nenhum filme seria capaz de conter uma vida inteira”. Esmir Filho, que escreve e dirige esta biopic de Ney Matogrosso, disse algo parecido durante coletiva após a primeira sessão do filme, em São Paulo (SP), e dá para entender o porquê: quer queira, quer não, Homem com H é inevitavelmente definido pela forma como escolhe aparar as pontas da vida de Matogrosso, e o arco que desenha a partir desta poda.
Este começa entrecortando entre imagens da infância de Ney, sofrendo agressões homofóbicas do pai militar (Rômulo Braga), e imagens de seu primeiro show solo, ao som de “Homem de Neanderthal”, com o pai na plateia tentando fazer as pazes com aquele filho-bicho que se apresentava no palco. É um bom contraponto inicial, com o qual Esmir Filho desenha de cara a jornada central do seu filme: Ney usando o teatral para encontrar um caminho de liberdade e felicidade, dentro e fora do palco. Homem com H é essa história – a história de um homem queer, influenciado por um milhão de imagens e ideias que flutuam em sua cabeça, que transforma essas ideias em armas para ser visto como a entidade inegável que é, e assim conquistar o direito de viver do seu próprio jeito.
Não é nenhuma surpresa, também, que Filho conte tão bem uma história como essa. Desde os tempos de Alguma Coisa Assim (curta de 2006 que lançou sua carreira), passando pelo cultuado Os Famosos e os Duendes da Morte (2009) e pela série Boca a Boca (2020), o diretor se mostrou interessado em, e capaz de, traduzir vivências queer em imagens e sensações que pulam da tela em um espetáculo sinestésico. Homem com H traz muito dessa sensibilidade, especialmente na forma como o diretor e seu parceiro habitual de fotografia, o talentoso Azul Serra, registram as performances musicais. Na contramão de outras biopics de ícones da música, aqui os hits de Ney – embora sempre apresentados no palco, justificados dentro da cronologia de sua biografia – surgem menos como concessões burocráticas e mais como complementos narrativos e visuais à personalidade que vai se moldando e se transformando na tela.
“Bandido Corazón”, “Homem com H”, “Pro Dia Nascer Feliz”, e assim vai. Cada uma dessas canções aparece no filme em uma explosão de dramaticidade, e cada uma delas simboliza um novo passo naquela caminhada na direção da liberdade que define o filme. É uma abordagem refrescante à natureza capitular da cinebiografia, que constrói uma linha narrativa muito mais clara do que normalmente se vê no subgênero. E essa qualidade define Homem com H mais até do que os valores de produção elevados – o filme custou R$ 18 milhões, segundo a produtora, e isso se vê na tela com reconstruções de época excelentes, figurino e cenografia exuberantes – ou até mesmo a diligência do elenco.
É verdade, por exemplo, que Jesuíta Barbosa se dedica de forma impressionante a traduzir a fisicalidade do artista Ney, dentro e fora do palco, de uma forma que não só o evoque de maneira convincente como também expresse uma dramaturgia sólida dentro do contexto específico do filme. Mas nem ele consegue segurar totalmente a credibilidade de Homem com H quando, nos últimos 20 e poucos minutos, ele se transforma dessa narrativa vibrante em um relato protocolar de eventos que podem ser importantes para o Ney do mundo real, mas soam como epílogo para o Ney no qual o roteiro de Esmir Filho parece realmente interessado.
Tanto é que o filme passa por cima das últimas décadas da vida do artista sem muita cerimônia, dedicando pouco tempo a elaborações e temas de densidade e importância social que renderiam todo um filme por si próprias. Homem com H não é esse filme, e um de seus poucos erros é se render a obrigação que sente de ser.
Homem com H
Ano: 2025
País: Brasil
Duração: 129 min
Direção: Esmir Filho
Roteiro: Esmir Filho
Elenco: Bruno Montaleone , Hermila Guedes , Jullio Reis , Jesuita Barbosa