Especial de NATAL : Viva a vida

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De plano de fundo, imagem ilustrativa do exoesqueleto. A frente, o médico ortopedista, traumatologista e fisiatra Flávio Benez, que sofreu um acidente e ficou tetraplégico. (foto arquivo pessoal)

Flávio Benez é ortopedista e fisiatra há 20 anos. No começo de 2014, ele sofreu um trauma e ficou tetraplégico. Nesta matéria especial de Natal, o médico conta desde o acidente até seus dias atuais

 

 

Flávia Braga (a esquerda) atleta paraolímpica, o técnico Carlos Alberto Maranho (a direita) e Flávio Benez (ao centro), que presta atendimento voluntário a equipe de Atletismo Paraolímpico de Votuporanga. (foto arquivo pessoal)

 

Flávio Henrique Nuevo Benez dos Santos e sua esposa Nayara Sabino Colombano Benez. (foto arquivo pessoal)

 

@leidiane_vicente

Independente da religião, o Natal é uma data para celebrar a vida, tanto o nascimento quanto o renascimento. Isso porque algumas histórias são marcadas por superações que exigem a reinvenção de um modo novo de viver.

É o que aconteceu com o médico ortopedista e fisiatra Flávio Henrique Nuevo Benez dos Santos, de 45 anos que, atualmente, reside em Fernandópolis, interior de São Paulo.

O acidente

Em 12 de janeiro de 2014, a vida do médico estava a poucas horas de mudar completamente. Ele tinha passado o dia confraternizando, jogando tênis e se divertindo com a família e os amigos em uma fazenda.

Foi por volta das 18h que o tempo virou e começou a chover forte, como são as chuvas de verão: repentinas e tempestivas. Neste momento, Flávio avisou a esposa que iria recolher seus pertences ao redor da piscina, já com o propósito de irem para casa.

Na correria de pegar tudo antes da chuva pesada, ele acabou escorregando para dentro da piscina e, neste segundo que seguiu, a vida dele nunca mais foi como antes.

“A gente chama de mergulho em água rasa. Eu acabei batendo com a cabeça no fundo da piscina e, no mesmo momento, eu já senti um choque e perdi os movimentos dos meus braços, das minhas pernas e fiquei com a cabeça virada para baixo, sem conseguir respirar”, conta o ortopedista sobre o momento exato do trauma.

Como a piscina era afastada do local onde as pessoas estavam, não havia ninguém por perto e Flávio acabou ficando algum tempo sem conseguir respirar, com a cabeça submersa.

“Foi minha esposa, Nayara, junto com um amigo nosso que estava na confraternização, que me retiraram, imediatamente, da piscina. Eu estava desacordado e eles iniciaram os procedimentos de primeiros socorros. Eu acordei lúcido, consciente e orientado. Foi então que eu disse para minha esposa que eu estava tetraplégico, pois eu não sentia os braços e nem as pernas e, também, não conseguia me movimentar”, relembra Benez dos primeiros minutos antes do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegar.

 

Para se manter vivo

Ele foi levado para a Santa Casa Fernandópolis e prontamente atendido pelos médicos de plantão, que realizaram uma ressonância nuclear magnética. Nela constatou-se uma lesão na quarta e quinta vértebra cervical, causando um prejuízo na medula espinhal.

Não existia mais dúvidas, Benez estava tetraplégico. Isso significa que o trauma tinha causado uma paralisia que afetava os movimentos de todas as quatro extremidades que se unem à musculatura do tronco, sendo elas braços, tronco e pernas.

De Fernandópolis ele foi transferido para o Hospital de Base de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, para realizar uma cirurgia com a finalidade de descomprimir a medula espinhal, chamada de artrodese da coluna cervical. Basicamente, o procedimento coloca placas e parafusos para a estabilização da quarta e quinta vértebra cervical.

Para a recuperação pós-cirúrgica, Flávio foi encaminhado a UTI, onde, após alguns dias de internação, teve uma sepse septicemia, também conhecida como infecção generalizada.

“Eu não estava mais conseguindo respirar sozinho. Então foi necessário fazer um novo procedimento cirúrgico, uma traqueostomia para que eu pudesse conseguir respirar com a ajuda de aparelhos, ventilação mecânica e ventilação assistida. Fiquei mais três a quatro dias em coma, e quando acordei eu já não conseguia me comunicar, somente com o olhar, e a primeira pessoa que eu vi foi a minha esposa”, relata Benez sobre esses dias cinzentos.

 

A recuperação

No total, se somaram mais 30 dias de recuperação no Hospital de Base, já dado o início do processo de reabilitação, tanto pulmonar quanto física.  Em seguida, Flávio passou dois meses no regime de internação do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, em São Paulo, acerca da reabilitação respiratória e motora.

Segundo o fisiatra, fazia mais de três meses, após o acidente, que não via a luz do dia fora do ambiente hospitalar. Então, depois de todo esse tempo, ele pode finalmente voltar para casa.

“Foi aquela mistura de sensações e emoções, mas sempre coloquei na minha cabeça que eu precisava me manter ativo, focar na minha reabilitação e pensar em voltar para o trabalho o mais rápido possível”, conta Flávio sobre os sentimentos da volta ao lar e a necessidade de retomar a sua vida.

 

A retomada

Uma semana após voltar para casa, Benez retornou aos seus trabalhos em consultório e hospital. Recebeu o auxílio de enfermeiros para atender aos pacientes e foi muito acolhido por toda a sua equipe, a quem ele chama de grande família.

Apesar das incertezas sobre a confiança dos pacientes, o ortopedista, traumatologista e especialista em medicina física e reabilitação, encarou a situação com coragem e foi surpreendido. Além deles gostarem muito do retorno do médico, sabiam o quanto podiam contar com a identificação dele. Era muito mais sobre sentir a lesão “na pele” e não apenas estudar sobre o tema.

“Eu acho que isso foi um ponto positivo, porque agora eu tenho a vantagem, sei o que os pacientes estão sentindo. Ao invés de encarar isso como uma desvantagem eu vou usar a meu favor. Hoje, eu entendo perfeitamente quais são as dificuldades deles”, afirma Flávio sobre como foi retomar a rotina dos atendimentos.

 

A reabilitação

Atualmente, ele descreve que, apensar dos poucos movimentos que possui nos membros superiores, exercer funções como digitar e gravar mensagens no smartphone já são uma realidade. Também consegue contrair a musculatura das pernas e sua sensibilidade está restaurada em uns 60% a 70%.

Tudo isso graças a resiliência no processo de reabilitação que envolve uma equipe multi e interdisciplinar, com fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, enfermeiro, educador físico, protético e nutricionista.

Benez também passou por experiências com o exoesqueleto. A estrutura vestível que serve de suporte para ajudar as pessoas aumentarem suas capacidades físicas, está em fase de testes na medicina, mas tem intenção de ser disponibilizada para uso terapêutico em instituições de reabilitação, como o Lucy Montoro e em todo o SUS (Sistema Único de Saúde).

“São tecnologias robóticas que a gente tem que estar sempre experimentando e inovando. A medicina está cada vez mais digital e automatizada. O exoesqueleto já é uma realidade no cenário da reabilitação. Temos que usar as tecnologias para o bem. Eu uso muito a Alexa e a Siri, por exemplo”, explica o médico a respeito de como o avanço tecnológico pode ser benéfico ao ser humano se usado de maneira adequada.

 

Amor a vida

A vida de Flávio precisou de muita ressignificação para que mesmo tetraplégico ele pudesse existir dentro de uma realidade com menos autonomia, mas com muita força de luta. Em busca de uma independência ainda que, por vezes, um pouco limitada, mas conquistada pouco a pouco ele é bastante resiliente quanto a reabilitação.

“A gente tem que se adaptar em uma nova realidade, a um novo cenário. Fé, esperança e espiritualidade fazem parte da medicina, então eu acho que temos que agradecer por estarmos vivos”, incentiva Flávio Benez.

Sobre a sua história de superação, ele revela que se lembra mais da data do acidente do que de seu próprio aniversário. E como últimas palavras, acrescenta: “Você tem que fazer valer a pena, esse é o propósito da vida”.