Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Sabe aquele momento em que você entra na sala de aula, carregando na mochila a expectativa de um professor dedicado e um café forte para enfrentar o dia, e dá de cara com uma multidão de olhos brilhantes, mas infelizmente a maioria distraídos, tentando equilibrar a mente entre o que o professor fala, o grupo do fundão que não para de conversar e a fofoca do que aconteceu no fim de semana ou o que tá rolando de mais “viral” nas redes sociais. Pois é, meus caros, essa é a realidade da educação no século XXI, um terreno onde acontece verdadeiras batalhas silenciosas, onde a linguagem, essa ferramenta sutil e poderosa, pode tanto ferir quanto curar.
Quando penso na linguagem em sala de aula, logo me vem à cabeça aquela velha máxima, “as palavras têm poder”. E têm mesmo. O problema é que, muitas vezes, nós, professores, somos a primeira linha de frente sem ter recebido um manual completo sobre como manejar essa “arma” com maestria, afinal, não basta só saber conjugar verbo ou explicar a fórmula da água. É preciso entender que cada palavra dita pode semear esperança ou plantar dúvida, pode abrir portas ou fechar corações.
Já vi de tudo no chão da escola, aluno que se tranca em silêncio por causa de uma crítica mal colocada e outro que perde o interesse porque ninguém reconheceu sua pequena vitória, muitas vezes até mesmo professor que se desgasta emocionalmente ao carregar na voz o peso de anos de luta por uma profissão que, no papel, deveria ser celebrada, mas na prática vive à sombra da desvalorização.
Eu chamo isso do peso da era digital, temos muita informação e menos atenção e a tarefa do educador ficou ainda mais desafiadora nesse mundo digital, onde a informação é um tsunami que não dá trégua. Nas redes sociais, nossos alunos são bombardeados por memes, vídeos curtos, notícias, opiniões e tantas outras vozes que competem pela atenção deles. Isso cria um cenário que poderia ser chamado de “atenção fragmentada crônica”.
Já ouvi colegas reclamarem que seus alunos não conseguem mais manter o foco sequer por cinco minutos e não é por falta de interesse na aprendizagem, isso tem acontecido porque o cérebro está pedindo socorro, saturado de estímulos rasos e instantâneos, que não deixam espaço para a reflexão profunda, para o diálogo paciente, para o erro construtivo.
É como se estivéssemos tentando plantar uma árvore no meio de um vendaval digital onde as raízes, que deveriam se firmar na escuta cuidadosa e na construção do conhecimento, balançam com tanta força que às vezes ficam soltas. ]e nós professores saimos do campo exausto, muitas vezes com vontade de largar tudo e virar influencer digital, porque, convenhamos, lá o reconhecimento, ou se preferirem, os likes, vêm mais rápido.
Mas vamos combinar que o estrago maior nem sempre vem da tecnologia, ele vem do descuido com as palavras, daquele comentário dito no calor do momento, da cobrança exagerada, do olhar que não acolhe.
“Você não consegue prestar atenção?” “Já te expliquei isso mil vezes.” “Não é tão difícil assim.” Essas frases, quando repetidas à exaustão, vão enterrando um pouco da autoestima dos nossos alunos. E se o professor se deixa levar pelo cansaço e solta palavras ríspidas, o estrago pode ser duplo, pois ai acabamos ferindo, perdendo a chance de ser a ponte que os conecta ao aprendizado.
Por isso, a delicadeza na linguagem é um ato de coragem. É reconhecer que por trás de cada desafio comportamental, cada dúvida ou erro, há uma pessoa que merece respeito, empatia e, acima de tudo, cuidado.
Palavras curam e o professor é um jardineiro da alma, sim, se as palavras podem ferir, elas também podem curar. E como educadores, nosso papel é de jardineiros da alma, regando com elogios sinceros, podando com críticas construtivas e adubando com esperança.
Recordo uma aluna que mal sabia soletrar o próprio nome e que, um dia, ganhou de mim um elogio público pelo esforço em fazer uma redação. Aquele simples “você está melhorando muito” acendeu uma luz nela e nela também em mim, porque ali percebi que minha voz podia ser um instrumento de transformação.
Não raro, um “consegue, sim!” dito na hora certa vale mais que mil explicações técnicas. É a palavra que acalma o coração, que alimenta a vontade de continuar tentando, que diz “eu acredito em você”.
E olha que a gente precisa mesmo de muito otimismo pra sobreviver nesse meio, afinal, educar hoje é resistir a um sistema que pouco reconhece e valoriza esse trabalho que fazemos.
Estar diante de turmas difíceis, com materiais escassos e ainda assim manter o sorriso, o olhar atento e a fé na potência da palavra, é coisa de professor mesmo.
Mas as políticas públicas e o reconhecimento é uma batalha invisível que cabe uma pausa para a reflexão. Quantos cafés e horas extras um professor precisa consumir para suprir as lacunas de políticas públicas ineficazes? Quantas vezes nosso esforço é diminuído por discursos que nos colocam como meros executores de uma “norma” e não como agentes de mudança?
O salário insuficiente, a falta de infraestrutura adequada, o pouco apoio emocional e pedagógico, tudo isso contribui para que a linguagem do professor também carregue um peso desnecessário, o da frustração e do desânimo.
Mas, mesmo diante dessas adversidades, seguimos. Porque educar não é apenas uma profissão, é uma visão que vai além do que os olhos alcançam, é uma chama que não se apaga, mesmo quando a tempestade insiste em soprar contra.
Todo professor precisa de três coisas diárias, um cafezinho, muita paciência e a esperança, se eu pudesse dar um conselho para quem entra nessa profissão hoje, seria, carregue sempre um cafezinho na mochila e uma boa dose de paciência no coração, você vai precisar.
Mas não esqueça, também, de alimentar essa chama interna com histórias de superação, com a crença no potencial dos seus alunos e na capacidade de suas palavras para transformar.
Que possamos lembrar sempre de que, apesar das telas, do barulho, das pressões, o encontro entre o professor e o aluno é um momento sagrado. É onde o futuro se escreve, palavra por palavra. Como está escrito em Tiago 3:7-8:
“Todos os animais selvagens, os pássaros, os répteis e os peixes podem ser domados pelo homem, e eles acabam sendo controlados pela natureza. Mas ninguém consegue controlar a língua pois ela é uma força poderosa, difícil de dominar, cheia de coisas ruins.”
Essa passagem me lembra que o cuidado com a linguagem não é apenas um gesto pedagógico, mas uma verdadeira missão de vida. Usar a palavra para curar, educar e amar é o maior desafio e a mais nobre vitória que podemos alcançar.