Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Caros colegas de profissão, pais, estudantes, leitores e curiosos, hoje, escrevo com o coração em punho e a alma à flor da pele. Porque, se tem algo que me move há mais de uma década, é a certeza de que educar não é só ensinar a ler e escrever; é, antes de tudo, um ato de resistência, de coragem e, sim, de rebeldia.
No Brasil, ser professor nos anos iniciais é como ser uma espécie de dom Quixote. Diariamente, empenhamos nosso giz (ou, hoje, nosso marcador de quadro branco) como se fosse uma lança, encarando moinhos que assumem a forma de desigualdades sociais, infraestrutura precária, currículos engessados e, muitas vezes, a falta de reconhecimento do papel transformador que exercemos. E, ainda assim, seguimos. Porque sabemos que o futuro está sentado ali, naquelas carteiras muitas vezes mal iluminadas e desconfortáveis, olhando para nós com olhos cheios de perguntas.
Mas será que nós mesmos ainda acreditamos nisso? Será que ainda enxergamos a sala de aula como o campo de batalha para formar cidadãos críticos, como um espaço onde podemos (e devemos!) plantar a semente de um país mais justo, humano e igualitário?
É verdade que a educação brasileira está cheia de desafios. As estatísticas não nos deixam mentir. Segundo o último levantamento do Todos Pela Educação, mais da metade dos estudantes do ensino fundamental não atingem os níveis adequados de leitura e matemática. Isso não é só um número; são milhares de crianças que estão sendo privadas de um direito básico, uma porta de entrada para um futuro mais digno.
E, vejam bem, isso não é culpa nossa. O problema está muito acima da nossa alçada. Está no descaso com a valorização do magistério, na formação inicial dos professores que, muitas vezes, é insuficiente, e nas políticas públicas que mudam de acordo com a dança das cadeiras no poder. Enquanto isso, nós, professores, ficamos no olho do furacão, tentando fazer o possível (e o impossível) para compensar essas lacunas.
Mas eu quero que você, professor ou professora que lê essas linhas, saiba de uma coisa: você é muito mais poderoso do que imagina. Na sua sala de aula, você tem algo que nenhum governo, por mais incompetente que seja, pode tirar de você: o poder de transformar vidas.
Formar cidadãos críticos em um sistema que muitas vezes prefere a alienação é, sim, um ato de rebeldia. E rebeldia não precisa ser barulho ou confronto aberto; ela pode ser sutil, silenciosa e, ao mesmo tempo, revolucionária.
Temos que ser rebeldes sim, pois, ser rebelde, na nossa profissão, é abrir espaço para que os alunos façam perguntas, questionem e pensem por conta própria. É, mesmo com um currículo engessado, encontrar brechas para trabalhar a cidadania, a ética e o respeito às diferenças. É mostrar que o mundo não cabe dentro de uma apostila.
Lembro de uma turma que tive, anos atrás, na pequena cidade que leciono, onde a evasão escolar era regra, não exceção. Um aluno chegava atrasado todos os dias, muitas vezes sem uniforme, sem material, com o olhar distante. Era fácil taxá-lo de “problemático”. Mas, ao invés disso, decidi ser curioso sobre sua história. Descobri que ele ajudava a mãe a vender bolos na rua antes de ir para a escola e que muitas vezes não tinha nem tempo para comer.
Foi aí que a sala de aula virou meu campo de batalha. Comecei a usar histórias reais, como desse aluno, para falar sobre desigualdade, trabalho infantil, e o direito à educação. De repente, a turma inteira começou a se envolver. Com isso, este aluno não só começou a participar mais, mas também passou a chegar no horário. A escola, para ele, virou um lugar onde ele se sentia visto, respeitado. Não foi fácil, nem rápido. Mas foi transformador – para ele e para mim.
Ser professor no Brasil é resistir todos os dias, chego a pensar que aqui no Brasil, educação é sinônimo de resistência. Todos os dias temos que resistir ao cansaço, ao desânimo, às condições muitas vezes adversas. É resistir à tentação de acreditar que nosso trabalho não faz diferença. Faz, sim e muita diferença.
Quando pensamos em grandes revoluções, normalmente lembramos de líderes, de movimentos, de multidões. Mas eu arrisco dizer que a maior revolução de todas começa no pequeno, no microcosmo da sala de aula. É lá que se forma o cidadão que, um dia, pode se tornar o líder que vai transformar esse país.
E não pense que você precisa de recursos mirabolantes para isso. Às vezes, o que uma criança precisa é de alguém que a escute, que a encoraje, que diga: “Você consegue.” Porque, muitas vezes, somos os únicos adultos na vida dela que acreditam nisso.
Então, o que precisamos mudar? Sejamos justos, não podemos falar de rebeldia sem falar da luta por melhores condições de trabalho. Porque a verdade é que nenhum professor consegue fazer milagres sozinho.
Precisamos, sim, de mais investimentos na educação básica. Precisamos de formações continuadas que sejam realmente úteis e práticas, e não apenas mais uma carga horária para cumprir. Precisamos de gestores que entendam que a sala de aula é o coração da escola e que o professor não é só mais um número em um organograma.
E, acima de tudo, precisamos valorizar o magistério como ele merece. Não estou falando só de salários (embora isso também seja essencial), mas de respeito. Respeito ao nosso tempo, à nossa saúde mental, ao nosso papel como formadores do futuro.
Antes de encerrar, quero deixar aqui uma carta, não só para os leitores, mas para você, professor ou professora que, talvez, esteja pensando em desistir:
Querido professor, querida professora,
Eu sei que não está fácil. Sei que, muitas vezes, você se pergunta se vale a pena. Sei que há dias em que a vontade é de largar tudo e procurar outro caminho. Mas quero que você saiba que o que você faz é precioso.
Cada aluno que passa por você carrega um pedacinho da sua alma. Cada lição que você ensina é uma semente que, mais cedo ou mais tarde, vai germinar. E, quando você menos esperar, alguém vai voltar para te dizer: “Obrigado, professor. Foi você que mudou a minha vida.”
Então, respire fundo. Lembre-se do porquê você escolheu essa profissão. E, acima de tudo, lembre-se de que você não está sozinho. Somos muitos, espalhados por esse Brasil imenso, lutando a mesma luta, enfrentando os mesmos moinhos.
A sala de aula é o nosso campo de batalha. E, nesse campo, educar é o maior ato de rebeldia que podemos praticar.
Com admiração e esperança,
De um professor que nunca desistiu.
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