Do podcast ao documentário, a virada de A Mulher da Casa Abandonada

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A Mulher da Casa Abandonada foi lançado como podcast em 2022 e acaba de virar série documental com três episódios no Prime Video. (foto divulgação)

História que começou em áudio sob o olhar do jornalista Chico Felitti ganha nova dimensão no Prime Video, ao dar espaço inédito à fala da vítima, Hilda Rosa dos Santos

Cena mostra Hilda Rosa dos Santos rompendo o silêncio e relatando os abusos sofridos por mais de 20 anos. O depoimento dá voz inédita à vítima da família Bonetti na série documental. (foto divulgação)

 

@caroline_leidiane

 

Quando estreou em 2022, o podcast A Mulher da Casa Abandonada, de Chico Felitti, se transformou em um fenômeno cultural e jornalístico. Em pouco tempo, a casa em ruínas localizada em Higienópolis, um bairro nobre de São Paulo, virou ponto turístico.

Os episódios bateram recordes de audiência e a história da moradora, Margarida Bonetti, que foi acusada de manter uma mulher em condições análogas à escravidão nos Estados Unidos, voltou ao debate público.

O que se tinha até então eram vozes em áudio, registros de vizinhos, documentos e a investigação de Felitti. Faltava a presença de quem, de fato, viveu essa violência.

Essa ausência foi preenchida agora. Desde o dia 15 de agosto, o Prime Video exibe os três episódios da série documental A Mulher da Casa Abandonada, dirigida por Kátia Lund, Livia Gama e Yasmin Thayná.

Diferente do podcast, a produção audiovisual traz Hilda Rosa dos Santos pela primeira vez diante das câmeras. Ela narra em detalhes os quase 20 anos de abusos — físicos e psicológicos —, sofridos nos Estados Unidos, as marcas desse período e também sua capacidade de reconstrução.

Para Kátia Lund, o documentário não é sobre voyeurismo, mas narrativa de uma vítima que foi silenciada e negligenciada e, atualmente, está com 90 anos.

“É sobre essa pessoa que vira o jogo e sai vitoriosa no final. Claro que ela sofre até hoje, com o trauma e é uma coisa que você não supera, mas ela tem resiliência, força e luz. E ela é inspiradora”, disse a diretora da série, em entrevista ao portal Omelete, reforçando que a trama busca a superação, e não apenas sofrimento.

O impacto da história já era grande em 2022. O podcast estimulou debates, investigações e até mudanças legislativas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o caso de Hilda influenciou a criação de leis específicas para proteger vítimas de trabalho forçado.

No Brasil, a repercussão colocou o tema do trabalho escravo contemporâneo em pauta e ampliou o número de denúncias registradas. Mas a série vai além do eco de repercussão.

Com documentos inéditos, entrevistas com agentes do FBI e até a descoberta de que Margarida teria vivido sob outro nome em Campinas, justamente enquanto o crime prescrevia no Brasil, a narrativa ganha novos contornos e expande a investigação.

Para Felitti, o papel que desempenha no documentário é diferente do que tinha no podcast.

“Na série, eu sou só mais uma voz, assim, e isso foi acho muito positivo para a história como um todo, porque só faria sentido uma adaptação do podcast, a meu ver, se realmente levasse essa história adiante”, disse o jornalista em entrevista ao Alexandre Almeida do Omelete.

A mudança de perspectiva desloca o foco da figura excêntrica que habitava o casarão, e a história por trás da família Bonetti, e devolve a centralidade a quem por muito tempo foi silenciada: Hilda Rosa dos Santos.

Nas redes sociais, a estreia provocou reações intensas. No X (antigo Twitter), muitos relataram assistir à série entre lágrimas e revolta. “Angustiante”, “de revirar o estômago”, “história necessária” foram algumas das reações que circularam.

Parte do público também expressou indignação à total injustiça ao final do inquérito. Durante os tramites da acusação, nos EUA, Margarida fugiu para o Brasil, enquanto o marido, na época, Renê Bonetti acabou respondendo à uma pequena pena. Como o processo já foi prescrito, Margarida vive livremente em São Paulo, enquanto sua vítima, mesmo reconstruindo a vida, ainda lida com as consequências do trauma.

O documentário evita o tom de espetáculo e investe em seriedade, sem repetir o clima de curiosidade que levou multidões ao casarão de Higienópolis no auge do podcast. Ao contrário, busca fazer justiça simbólica dando rosto, corpo e voz à sobrevivente.

A Mulher da Casa Abandonada é uma história que começou com a curiosidade de um jornalista ao descobriu uma moradora de uma mansão caindo aos pedaços. Ao final, Chico descobriu que esta era apenas a ponta de um novelo imenso, envolvendo um drama que Margarida Bonetti tentava esconder com a pomada branca que usa no rosto.