Direito e Cinema – take 21: Rain Man e o dia nacional de luta da pessoa com deficiência

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Bruno Arena: Mestrando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha). Advogado. Instagram @adv.brunoarena. Embaixador Cultural da ACILBRAS. Contato (21) 98337 1838.

Parece até proposital, mas não despropositado, que o take 21 das colunas sobre Direito e Cinema tenha caído no dia 21 de setembro de 2021 e seja em comemoração ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, instituído pela lei 11.133 de 2005 para este mesmo dia. Mais especial ainda por ser ano de paraolimpíada.

O dia é 21, e a cor do mês é verde, para lembrar, com esperança, da acessibilidade e da inclusão da pessoa com deficiência (PCD). Aqui cabe uma observação, pois em tempos passados as pessoas com alguma deficiência eram chamados de “especiais” e outros nomes, mas hoje o oficial e politicamente correto é o uso do termo PCD – Pessoa com Deficiência.

Para falar de cinema, “Rain Man” é um daqueles filmes que cumpre com maestria sua função de nos fazer pensar, refletir e mudar conceitos arraigados em nossa sociedade, alterando-nos culturalmente. Estrelado por Tom Cruise (Charlie Babbit) e Dustin Hoffman (Raymond Babbit), o filme de 1989 dirigido por Barry Levinson foi indicado a oito estatuetas do Oscar, ganhando quatro.

Charlie recebe a notícia da morte de seu pai e também que havia sido deserdado de sua fortuna, assim parte em busca do beneficiário da herança e o descobre como sendo o médico responsável pelo seu irmão autista (Raymond). Charlie então o rapta do hospital para tentar ficar com metade da herança. Mas no caminho de Los Angeles vai aprendendo a conviver com seu irmão, com sua forma diferente de comunicação, com sua genialidade Savant e com suas rotinas de defesas psicológicas; para Charlie só o dinheiro importava, Ray não sabia o valor do dinheiro.

A melhor conclusão a que Charlie chega foi quando procurou um médico para lhe ajudar com seu irmão e ele começa a explicar que Ray era diferente do que ele conhecia como normal; Charlie então afirma: “então devemos aceitá-lo como ele é”. Exatamente isso.
Dentre as deficiências possíveis, o autismo, caso de Ray, é um tipo delas e para esta deficiência em específico há também uma outra cor característica: o azul e, por isso, as sessões de cinema específicas para este público são chamadas de sessões azuis. Falemos um pouquinho delas.

Pessoas que têm autismo e, em consequência, seus familiares, acabam tendo um baixo convívio social devido às reações que o ambiente despertada nas pessoas com alta sensibilidade. É impactante shoppings, teatros e cinemas para quem tem a percepção mais aguçada. A sessão azul de cinema busca fazer uma transição suave a este ambiente deixando a luz acesa, portas abertas e som mais baixo. Conta também com a presença de psicólogos e as pessoas podem fazer barulho e se movimentar pela sala.

Lei importante publicada no Brasil em 2015 foi a Lei 13.146, chamada de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, que veio na esteira da aprovação da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, no ano de 2007. Foi um importante marco e que mudou os paradigmas do direito brasileiro, de que maneira?

Vale pontuar que nossa Constituição Federal dá a possibilidade de que tratados internacionais de direitos humanos façam parte do texto constitucional, desde que obedeçam ao rito de aprovação do artigo 5º, §3º da Carta Magna e, atualmente, a única convenção internacional com este status é a das pessoas com deficiência. Ou seja, o único tratado internacional com status constitucional vigente no Brasil é este Tratado de Nova Iorque, tamanha a relevância do tema.

Após o Estatuto das pessoas com deficiência (lei 13.146/2015), alterou-se também a maneira jurídica de trato dos deficientes: agora parte-se da premissa de que eles terão capacidade plena e só serão assistidos naquilo que necessitem, antes dele se partia da premissa contrária, eram assistidos em tudo e só lhes seriam permitidas algumas atividades e decisões. Era a chamada interdição.

Reflitamos um pouco, muitos criticam o fato de alunos com maior dificuldade de aprendizado estarem juntos com as crianças com maior capacidade de aprendizado das disciplinas escolares; que aqueles atrasariam o desenvolvimento destas. Mas o que seria este desenvolvimento? Aprender os fatos históricos e a calcular as raízes de uma função de segundo grau? Tomemos o que o filósofo professor de Harvard Michael Sandel nos diz em seu livro “Justiça”: qual o objetivo das instituições? Escrever mais e mais artigos científicos e desenvolver ciência? Ou também devem se atentar para o aprendizado da tolerância e da diversidade? Como opinião pessoal, parece que hoje está mais prejudicial à nossa sociedade a intolerância do que o não saber calcular o “x” de uma equação.

Para encerrar, no último domingo o Novo Cine Votuporanga realizou uma sessão azul neste setembro verde, em que estiveram presentes as principais instituições engajadas no cuidado das pessoas com deficiência: APAE, IDAV e Recanto Tia Marlene. Gostaríamos de dar os parabéns às instituições e aos cuidadores, que resolvem com amor aquilo que nesta coluna tentamos delinear com a mera e deficiente racionalidade.

Bruno Arena: Mestrando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha). Advogado. Instagram @adv.brunoarena. Embaixador Cultural da ACILBRAS. Contato (21) 98337 1838.