Universidade de Washington aponta para possibilidade de mais de 750 mil mortes até o fim de agosto se ritmo de imunização não melhorar, mesmo com queda na média móvel de óbitos.
O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos).
Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.
“Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento”, explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.
A flexibilização das medidas de restrição, como ocorre em São Paulo, onde restaurantes, salões de beleza e academias puderam voltar a funcionar, é vista como temerária por médicos e pesquisadores. “Abril, que ainda nem acabou, já é o mês mais letal de toda pandemia. E independentemente disso nós estamos reabrindo as atividades novamente”, afirma Rafael Lopes Paixão da Silva, membro do Observatório Covid-19 BR.
Para o pesquisador, “se a medida está dando certo é preciso continuar com ela por algum tempo para que se tenha uma margem de segurança”. Mas não é o que ocorre: “Os Governos veem uma leve queda na ocupação dos hospitais e começam a liberar de novo as atividades, isso é desesperador”. O médico epidemiologista Paulo Lotufo concorda. “Existe um erro básico que é usar como indicador [de reabertura das atividades e comércio] a taxa de ocupação de UTI. Isso não é um indicador epidemiológico, é um indicador administrativo”, afirma.
O prognóstico vislumbrado para o país não é bom. “[Os números] devem cair um pouco ainda, e depois ocorrerá uma nova subida. A questão é qual será a magnitude desta subida. Ninguém imaginou, por exemplo, que essa segunda subida fosse tão acentuada como foi [este ano o país já registrou mais mortes por covid-19 do que em 2020]. Se as coisas continuarem como estão, em julho já existe uma possibilidade de terceira onda”, diz Lotufo, citando as aglomerações que devem ocorrer em função do Dia das Mães aliadas à flexibilização do isolamento.
A afirmação de Lotufo pode soar alarmista, mas é compartilhada por outros estudiosos da pandemia. “Não existe razão para ficar aliviado. A queda dos números verificada na última semana é um processo natural de epidemia, vale para a dengue e várias outras. Mas ainda estamos em um patamar altíssimo. Se relaxarmos demais essa queda pode se tornar um platô, e pode inclusive ocorrer uma reversão da queda”, afirma Leonardo Bastos, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. Ele diz não ser possível precisar até onde os números irão baixar antes de se estabilizar. “E aí o relaxamento [das medidas de restrição] ou novas variantes podem levar a um novo surto. Não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ isso vai acontecer. Pode ser uma onda pequena ou grande, nacional ou focada em alguns Estados. Depende muito da realidade de cada local e das políticas que foram adotadas. Ou que não foram”.
O atraso da vacinação de grupos prioritários
O lento andamento do processo vacinal no país também é outro fator que pode fazer com que uma terceira onda no país seja tão letal ou mais do que a segunda. Na semana passada o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o término da imunização dos grupos prioritários deve ocorrer apenas em setembro. A previsão inicial, feita por seu antecessor Eduardo Pazuello, era finalizar esta etapa ainda em maio. “Se tivéssemos mais celeridade na vacinação teríamos uma próxima onda com número de óbitos e hospitalizações bem menor. E se a população mais vulnerável [incluída no grupo prioritário] estivesse protegida, as chances de termos muitas mortes e casos graves também cairia”, afirma Bastos, da Fiocruz.
Mas mesmo caso o cronograma dos grupos prioritários tivesse se mantido, não seria o suficiente para barrar uma nova onda. “Só vacinar os prioritários não é o suficiente, você reduz os óbitos, mas não zera, e não impede o colapso do sistema de saúde”, diz Isaac Schrarstzhaupt, Coordenador na Rede Análise Covid-19. “A estratégia precisa ser dupla. Vacinar e reduzir a taxa de transmissão. É possível evitar uma terceira onda com medidas não farmacológicas [vacinas], ainda que no Brasil isso não tenha sido feito”, afirma. Ele cita como exemplo a Nova Zelândia, onde as medidas de fechamento e restrição são implementadas à medida em que a velocidade de transmissão aumenta.
A escassez de imunizantes contará ainda com um outro fator não previsto durante a segunda onda. “A expectativa de mais vacinas é cada vez menor. Com a explosão dos casos na Índia, eles agora vão deixar de exportar seus imunizantes e insumos para outros países, e, inclusive vão entrar no processo de compra de vacinas pesadamente. Não estou vendo muita saída”, diz o epidemiologista Lotufo. “Estamos com padrão de vacinação muito baixo. O ideal é que tivéssemos entre 25% e 30%, aí teríamos uma acomodação bem melhor”, diz. “Se você analisar a letalidade da doença, que gira em torno de 1% e já matou quase 400.000 pessoas, deve haver praticamente 40 milhões de pessoas que já foram infectadas, ou seja, 25% dos brasileiros já tiveram a doença. Logo, quase três quartos da população ainda estão suscetíveis a contrair o vírus. É muita gente.”
As diretrizes do Governo com relação à vacinação também são conflitantes: inicialmente o Ministério da Saúde havia determinado que não fosse feita a reserva da segunda dose, tendo em vista que segundo o planejamento inicial – e que foi revisado para baixo inúmeras vezes – haveria suprimento para abastecer os Estados. Agora, à medida que várias capitais são obrigadas a suspender a vacinação de primeira e segunda dose por falta de imunizante, a pasta voltou atrás: o ministro Queiroga informou que a nova recomendação é de que seja feita a reserva, tendo em vista os atrasos no fornecimento de insumos e imunizantes.