O título da coluna de hoje é um excerto tão conhecido quanto a última frase do famoso Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels de 1848: “Proletários de todos os países, unam-se”. O arranjo das palavras, que combina algo tão seguro quanto o termo “sólido”, com algo tão pueril quanto os termos “desmancha no ar”, causa estranheza, e é este o sentimento de impermanência dos tempos modernos e pós-modernos.
Neste texto faremos um ensaio buscando responder o porquê do ser humano, e da sociedade brasileira em específico, defender com tanta emoção diversas pautas identitárias, partidos políticos e bandeiras de direita e esquerda, com a possibilidade e risco permanentes de se incorrer em fascismos.
Concordo com a hipótese do historiador israelense Yuval Harari, quando expõe em seu livro “21 lições para o século 21”, que “tanto o liberalismo quanto o comunismo estão agora desacreditados”, gerando uma carência de ideologias totalizantes, verdades absolutas e caminhos seguros.
A condição de ausência de fronteiras, valores fixos, narrativas seguras e de verdades – hoje até se fala em um mundo pós-verdade –, faz com que apenas o que é relativo pareça universal, como diz um dos mais importantes filósofos franceses sobre a pós-modernidade, Jean-François Lyotard.
No entanto, não é apenas a sociedade que se vê desnorteada em sua eterna crise de valores, mas também nos desconfortamos a nível individual.
É algo fora de moda pensar em um Estado (país) em que temos um povo (homogêneo), em um determinado território, dotado de soberania e com uma finalidade do bem comum, pelo contrário, as nações são híbridas, transnacionais, com comunicação instantânea para qualquer parte do mundo, o que nos leva a ter acesso a diferentes modos de vida e a convivermos com culturas diversas.
E aqui começam alguns problemas e surgem consequências.
O economista mineiro Eduardo Giannetti, em seu livro “Auto-Engano”, nos alerta sobre a parcialidade moral natural no julgamento de nós mesmos e dos outros. Somos o centro de círculos concêntricos e avaliamos a partir de nossa subjetividade as atitudes e experiências alheias; tendemos a julgar mais ferrenhamente aqueles que se distanciam de nossos círculos mais próximos. Como assim?
Por exemplo, no Brasil gostamos de criticar a classe política, não à toa a Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei no último dia 14 de junho, com a proposta de criminalizar a discriminação a políticos. Mas o que nos interessa aqui é que, ao criticarmos um Deputado Federal que atua em Brasília, falamos de corrupção, oportunismos, fisiologismos, venda de votos, traições, etc., mas se tivermos algum parente que seja vereador, possivelmente o defenderemos dizendo ser uma pessoa honesta, mesmo que não saibamos o que ambos fazem em suas atividades parlamentares. Isso ocorre devido à parcialidade no julgamento de pessoas próximas, que tende a ser mais branda.
O mesmo ocorre com o julgamento de pessoas diferentes de nós em algum aspecto: homo x hetero; branco x negro; cristão x não cristão; votuporanguense x não votuporanguense; direita x esquerda.
Com esta propensão natural de busca de conforto pela exclusão do desigual, surge o risco do fascismo, que como nos alerta o filósofo francês Michel Foucault: “é algo que está em todos nós, que assombra nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, que nos faz amar o poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e nos explora”. Os fascismos vários excluem o diferente e empodera os iguais, dizendo que determinado grupo de pessoas é melhor do que os outros; tanto arriscado quanto sedutor.
Este esgarçamento do indivíduo e de sua comunidade, que não têm mais em que se apegar, gera uma desorientação e uma busca de uma identidade defensiva e sentido de pertencimento na sociedade global segundo o sociólogo espanhol Manuel Castells: daí exsurge a busca emocional da defesa de pautas, gerando tribos como as de direita e esquerda.
Para além das consequências políticas, partindo deste mesmo substrato social, há desdobramentos jurídicos. Devido à falta de segurança psicológica, cada vez mais normas e leis são escritas visando a uma diminuição do risco e do perigo de se viver em sociedade – a pandemia nos mostrou isso.
Em resumo, as diversas narrativas e relativismos que hoje vigem geraram um sentimento de impermanência e insegurança constantes, nos levando a buscar algum bote salva-vidas para nos apegar identitariamente. Nesta busca, corre-se o risco da exclusão do diferente, abeirando-se aos fascismos.
Por isso não podemos nos esquecer, à Shakespeare, de que “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem sentido algum”.
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.