Chave do Sucesso ou Cadeado do Fracasso? O Papel Crucial dos Educadores no Brasil 

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor 

Se a educação é a chave do futuro, o Brasil precisa urgentemente de um chaveiro. A frase me apareceu como uma espécie de epifania, quase como se tivesse sido lançada ao vento como uma verdade indiscutível. Uma dessas verdades simples e profundas que só a experiência de quem vive e respira a educação consegue captar. Estamos todos muito cientes da importância da educação. Afinal, quando se fala de futuro, o primeiro pensamento que vem à mente é a formação das novas gerações. Porém, poucos questionam: quem está realmente cuidando dessa chave, quem está garantindo que ela funcione para abrir as portas do futuro? E se ela estiver quebrada? 

Se há algo que me faz acordar todas as manhãs com uma sensação de urgência, é perceber que a educação no Brasil está sendo tratada como se fosse uma chave enferrujada, jogada no canto da sala, maltratada e negligenciada. Uma chave que muitos, se não a maioria, parecem ter esquecido que precisam manter lubrificada, ajustada, funcionando com precisão. 

A sala de aula nos anos iniciais do ensino fundamental é, para mim, um território de desafios e descobertas. Aqui, estamos falando de um período crucial, onde as bases do aprendizado acadêmico, mas também os primeiros passos para o desenvolvimento social e emocional dos alunos, são dados. Esses primeiros anos não são apenas sobre ensinar a ler, escrever e contar. Eles são sobre formar cidadãos, sobre ajudar as crianças a entender o seu lugar no mundo, a se relacionar com os outros e a lidar com suas próprias emoções. É nesse terreno fértil que, com paciência e dedicação, começamos a plantar as sementes do que eles se tornarão no futuro – e o nosso trabalho, muitas vezes invisível, é essencial para que essas sementes germinem e cresçam. Mas a realidade que vivemos na sala de aula é bem diferente da que gostaríamos de ver. São salas lotadas, onde na maioria das vezes, não tem o suporte adequado, sem recursos suficientes, sem tempo para planejar de maneira profunda e sem a atenção necessária para cada criança. 

Por isso digo que a educação brasileira precisa de um “chaveiro”, ou seja, estou me refiro àquele profissional que cuida da educação com o carinho e a precisão necessários para que a chave abra, de fato, as portas do futuro de nossas crianças. 

E aqui está a grande ironia da educação brasileira: a chave do futuro está ao alcance de todos, mas ninguém parece se importar em ajustá-la. O professor, que deveria ser o cuidador dessa chave, está sobrecarregado, desmotivado e muitas vezes desvalorizado. O estudante, que deveria ser o grande beneficiário dessa chave, às vezes nem consegue entender como ela funciona, pois é constantemente confrontado com uma realidade que limita suas possibilidades. 

É fácil apontar o dedo e criticar a educação brasileira, mas o que poucos conseguem entender é o abismo que se abre entre o ideal e o real na vida do professor. Para muitos de nós, a sala de aula não é só um lugar de ensino, mas um espaço onde tentamos (e muitas vezes conseguimos) gerar pequenas revoluções em cada aluno. No entanto, a falta de incentivo e valorização do professor é uma barreira constante, tornando ainda mais desafiador moldar, em meio a dificuldades imensas, os seres humanos que serão o futuro do país. Mas como podemos ensinar uma criança a ter fé no futuro, se o presente não é capaz de inspirar confiança? Como podemos ser os “chaveiros” desse processo se não temos as ferramentas para cuidar da chave? Pior, como podemos ensinar que o futuro está nas mãos delas, quando as nossas mãos estão amarradas por salários baixos, condições precárias e falta de respeito? 

É doloroso perceber que, enquanto a educação deveria ser a espinha dorsal de qualquer sociedade próspera, ela é tratada como um apêndice, um adereço que pode ser colocado ou retirado de acordo com as conveniências políticas e econômicas do momento. E, nesse processo, quem sofre, sem dúvida, são as crianças. Sem uma base sólida, sem o acompanhamento necessário, elas são obrigadas a começar sua jornada com uma chave enferrujada, e muitas vezes sem saber nem por onde começar a girá-la. 

A educação no Brasil tem se tornado um emaranhado de superficialidades. Aulas expositivas longas e cansativas, conteúdos teóricos sem aplicação prática, avaliações que medem mais a memória do que a compreensão real. O preço da superficialidade: o ensino que não aprofunda, transforma o processo de ensino-aprendizagem em uma corrida contra o tempo, onde o que importa não é aprender, mas “passar de ano”. 

E onde entra o papel do professor, nesse cenário? Ele se vê, muitas vezes, como uma peça que precisa fazer tudo funcionar, mesmo sem a menor condição de atuar como o verdadeiro “chaveiro”. Ao invés de ser um cuidador do aprendizado, ele se torna um condutor de um sistema que está mais preocupado em cumprir currículos, realizar provas e manter as aparências do que realmente investir no futuro do aluno. 

Mas o que a maioria não vê é que essa superficialidade não é uma escolha do professor, mas uma consequência de uma estrutura educacional falha, que coloca em xeque a nossa capacidade de ensinar o que é realmente necessário. Enquanto a educação é vista como um produto a ser consumido e não como um processo contínuo de amadurecimento, as gerações futuras serão formadas por chaves enferrujadas que jamais conseguirão abrir as portas do futuro. 

A solução para esse impasse começa, obviamente, pela valorização do professor. Se a educação é a chave, precisamos de “chaveiros” que entendam sua importância. A urgente necessidade de “chaveiros” no Brasil destaca a demanda por profissionais que não apenas saibam girar a chave, mas que a aperfeiçoem, a lubrifiquem, e a ajustem de acordo com as necessidades de cada aluno. 

Mas o que isso significa, na prática? Significa investir na formação continuada dos professores, em programas que os capacitem de maneira real e não superficial. Significa proporcionar condições adequadas de trabalho: salas de aula menos lotadas, mais tempo de planejamento, mais recursos didáticos, mais apoio psicológico para lidar com a pressão que o magistério impõe. 

Além disso, é preciso dar ao professor a autonomia necessária para que ele possa atuar de maneira criativa, respeitando as particularidades de cada aluno e adaptando seu método de ensino às suas necessidades. Não podemos continuar com um sistema engessado, que exige dos docentes que sigam roteiros inflexíveis, sem considerar as realidades que enfrentam todos os dias. 

O que me entristece profundamente é ver os alunos, em sua maioria, sem perspectivas claras para o futuro. No fundo, sei que a maioria deles está apenas tentando encontrar um sentido em um mundo que parece não oferecer muitas respostas. Eles entram na escola com olhos brilhantes, curiosos, mas logo se deparam com um sistema que, muitas vezes, não lhes oferece espaço para explorar suas próprias potencialidades. Os alunos: o futuro do país, mas também o reflexo de nossas dificuldades, carregam em si não apenas a esperança de dias melhores, mas também as marcas das falhas e limitações do sistema educacional que deveria ampará-los. 

São crianças que, em vez de serem desafiadas a pensar, são incentivadas a decorar, a repetir, a passar por um processo que não as prepara para os verdadeiros desafios que virão. Ao longo do tempo, essa chave que deveria ser uma ferramenta de libertação, se torna um peso, uma tarefa, uma obrigação. 

O que é triste de perceber, como educador, é que a educação não é vista como um processo dinâmico, mas como uma burocracia. E, pior, não é vista como uma oportunidade de transformação, mas como uma mera formalidade que todos têm de cumprir. Como podemos esperar que essas crianças, com suas chaves enferrujadas, abram portas que sequer sabem que existem? 

Mas não podemos perder a esperança. Não podemos deixar que o peso da realidade nos faça abandonar o que é mais importante: o nosso papel como educadores. A luz no fim do túnel: por que não devemos desistir, nos lembra que, se a chave está quebrada, é nossa responsabilidade consertá-la. Se a chave está enferrujada, é nossa missão restaurá-la e dar a ela um novo brilho. 

O que nos falta não é coragem, mas sim apoio. O que nos falta não é vontade, mas condições. No entanto, é nas pequenas vitórias do dia a dia que devemos encontrar forças para seguir em frente. Cada aluno que conseguimos fazer entender uma matemática, cada aluno que conseguimos tocar no coração com um livro de literatura, cada aluno que conseguimos convencer de que ele é capaz, é uma vitória. E essas vitórias, quando somadas, tornam-se uma revolução silenciosa, uma revolução que vai além das paredes da escola e que pode, sim, transformar o Brasil. 

Por isso, ao professor que se sente exausto, desmotivado, desiludido: não desista! A chave do futuro está nas nossas mãos, e, mesmo que a tarefa pareça árdua, cada pequeno gesto conta. O Brasil precisa de chaveiros, e você é um deles. 

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