A história do Lago Paranoá

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 Recreação no lago na década de 1960

Por Antoninho Rapassi

Há meses venho protelando este momento em que agora vou contar a história de como surgiu o Lago Paranoá, que circunda e embeleza a capital federal do Brasil, como se fosse uma imensa e abrangente esmeralda líquida.

O Lago Paranoá é garantia de vida saudável ao amenizar o clima árido daquela vasta região do antigo cerrado goiano, sempre merecedora de comparações pontuais com o deserto do Saara. E a relação de benefícios advinda com a obstinada construção deste Lago artificial é grande e tem misteriosa conotação esotérica.

Convivi longos anos com o Cel. Affonso Heliodoro dos Santos, seguramente o mais íntimo colaborador do seu conterrâneo, presidente Juscelino Kubitschek, desde quando este se tornou governador de Minas Gerais em 1951. Cultivei também uma grande amizade com o jornalista e o mais profícuo historiador de Brasília, Adirson Vasconcelos, autor de mais de 60 livros sobre a história da nossa capital da República. Tenho justificado orgulho em colecionar correspondências pessoais que recebi do Dr. Ernesto Silva, apelidado de “o pioneiro que veio antes”. Motivo: assim que se formou em Medicina no Rio de Janeiro em 1946, foi incluído na Expedição do General Poli Coelho, a penúltima, que veio ao Planalto Central no governo do presidente Dutra. Morando precariamente em alojamento militar, o Dr. Ernesto Silva desde essa época permaneceu no Planalto, colaborando com as expedições militares seguintes e sendo estrela de primeira grandeza na constelação dos colaboradores do presidente JK.

Foi no conturbado ano de 1954 (suicídio do presidente) e nos primeiros meses de 1955, que se acrescentou mais um e definitivo capítulo histórico no qual ficou conhecido o imenso quadrilátero de 14.400 quilômetros quadrados, chamado de “sítio castanho” e onde, já como Distrito Federal se construiu a cidade de Brasília, que foi inaugurada em 21 de abril de 1960, vindo a ser a terceira capital do nosso país.

Porém, os estudos e as pesquisas da vida toda que embasaram meus conhecimentos sobre a matéria que agora vou oferecer para o deleite e entretenimento dos prezados leitores.

E, como tudo começou nesta história do Lago Paranoá?

Foi no dia 30 de agosto de 1883, que aconteceu a célebre profecia de Dom Bosco, relatada assim em suas Memórias Biográficas: “tive (nesta madrugada) um sonho-visão. Mas isso não era tudo. Entre os paralelos 15º e 20º havia um leito muito largo e muito extenso, que partia de um ponto onde se formava um lago. Então uma voz disse repetidamente: “Quando escavarem as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a Grande Civilização, a Terra Prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível! E essas coisas acontecerão na terceira geração.”

Terceira geração, de acordo com quem sabe fazer as contas chega-se aos anos 50 do século XX. E a eleição de Juscelino Kubitschek para a presidência da República aconteceu justamente em outubro de 1955. No dia 4 de abril, dia do primeiro comício da sua campanha presidencial, Juscelino foi surpreendido com uma pergunta que o fez assumir um compromisso histórico.

O então jovem, Antônio Soares Neto, na cidade goiana de Jataí evocou o Artigo 4º das Disposições Transitórias da Constituição e quis saber se uma vez eleito, ele promoveria a transferência da capital da República para o local recentemente demarcado e até devidamente desapropriado. JK pensou rápido e deu a resposta redentora: “sim, se eleito for, transferirei a capital do Brasil para este Planalto Central.”

O que aconteceu no Brasil deste momento em diante faz parte de uma epopeia. Com a construção de Brasília começa um vibrante capítulo de ações grandiosas. Dos esforços e das revelações de talentos do povo brasileiro,  ergueu-se em 3 anos e 10 meses  uma cidade de invejável monumentalidade, no interior  despovoado deste grande país continental.

No dia 2 de outubro de 1956, o avião DC-3 da FAB que levava o presidente JK e comitiva composta por membros do seu governo e de diversos técnicos, às 11:40 horas pousou aos solavancos em uma improvisada pista de terra preparada pelo meu saudoso amigo Luciano Pereira.

Teve início naquele dia capitular, uma pioneira, intensa e extensa reunião de trabalhos. Houve até um ato de nomeação para o ministério da Agricultura. Usando um avião menor, do governo de estado de Goiás, o presidente sobrevoou com o arquiteto Oscar Niemeyer o local onde já havia sido erguido um Cruzeiro no ponto mais alto daquela região. Em seguida, os dois examinaram mapas, assinalaram os acidentes topográficos e observaram as distâncias. Assim, foi possível marcar a área onde seria erguida a residência presidencial. Vieram depois escolhas para a edificação do Brasília Palace Hotel, para o aeroporto e também o espaço destinado para a construção de casas e alojamento para funcionários e operários. A relação de providências urgentíssimas para a abertura de dezenas de estradas, dando prioridade para as estradas para Anápolis e Goiânia.

Finalmente, JK e o arquiteto Oscar Niemeyer abordaram o problema de abastecimento de água e energia elétrica à futura cidade. Era preciso construir uma barragem que represaria a água de vários rios, a fim de formar um lago artificial de 10 quilômetros quadrados.

Uma empresa americana de Nova York deste específico setor foi contratada. Vieram os engenheiros e se instalaram em confortáveis alojamentos, os únicos dotados até de aparelhos de ar condicionado.

Entre 1957 e 1958, o presidente Juscelino fez 225 viagens do Rio de Janeiro para o grande canteiro de obras onde Brasília ia surgindo com o vigor da sua carismática presença. Em incerta madrugada, JK surgiu no alojamento dos engenheiros americanos, a fim de verificar o cronograma das obras do Lago Paranoá. E ficou extremamente decepcionado. Ainda nada havia sido feito. Rapidamente, cancelou o contrato com os americanos, entregando à Novacap a missão de executar todas as obras deste projeto prioritário, que vinha sendo duramente criticado pela imprensa e pelos partidos da oposição.

O engenheiro Gustavo Corção, renomado professor de famosa faculdade paulista, jornalista do Estadão e pensador católico desenvolveu sistemática campanha contra o Lago Paranoá, incluindo torturantes acusações contra o presidente. Vejam o que ele escrevia: “Aquela terra é tão árida e inóspita que o lago de Brasília jamais encherá. A água será toda sugada pelo subsolo.” E contra o presidente vinham as acusações de estar fazendo uma obra faraônica.

A poucos dias da inauguração de Brasília, o Lago Paranoá atingiu a cota mil e transbordou. Foi neste momento que o presidente JK chamou o Cel. Affonso Heliodoro dos Santos, pedindo-lhe para enviar um telegrama lacônico ao Gustavo Corção, nos seguintes termos: “ENCHEU, VIU?!”

Todas as informações desta crônica são de uma irretorquível veracidade, semelhante a esta outra:

“O LULA É LADRÃO!”

6 de março de 2024