Dr. Renato Silva
A realidade para mais de 58 mil brasileiras e brasileiros que aguardam por um órgão ficou ainda mais dramática após a pandemia da covid-19, como demonstra o relatório da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) divulgado recentemente. Pelo menos nove pacientes morreram por dia à espera de transplante no primeiro trimestre deste ano. Foram mais de 4.200 mortes em 2021 contra 2.500 em 2019.
Estes números estarrecedores mostram o impacto da covid na vida destes milhares de brasileiros, muitos deles pacientes anônimos, amigos e parentes. Isso tem forte ligação com a contaminação por covid, pois eles obviamente são mais vulneráveis.
Além da perda de tantas vidas, outra informação do relatório da ABTO impressiona: o número de adultos e crianças que estão na fila de espera ultrapassou os 50 mil, aumento de 30% desde o início da pandemia.
Como bem ressaltou o presidente da ABTO, Dr. Gustavo Ferreira, a pandemia desestruturou o programa de transplantes no Brasil e reverteu a tendência de alta dos procedimentos e doações. Ele aponta dois motivos principais: insegurança de movimentar um paciente debilitado e expô-lo ao vírus e a pressão no sistema de saúde, que paralisou alguns centros de transplante e reduziu a ação de outros.
Como chefe da Unidade de Transplante de Fígado/Intestino do Hospital de Base da Funfarme/Famerp, um dos maiores centros transplantadores do Brasil, eu, assim como toda minha equipe, convivo diariamente com o drama destes pacientes que, claro, envolve também seus familiares. Por natureza, no entanto, sou um otimista e acredito que há plenas condições de mudarmos esta realidade e aumentar muito as chances de cada um destes pacientes ter um órgão.
Com foco neste objetivo, fomos antes da pandemia à cidade de Groningen, na Holanda, para ver em funcionamento um Centro de Recuperação de Órgão (CRO), ocasião em que nosso Hospital de Base firmou acordo para adquirir uma máquina de perfusão de órgãos e, desta forma, implantarmos nosso CRO no HB.
Os dados apresentados pela ABTO reforçam a urgência de implantarmos CROs em todo o país para podermos recuperar pulmões, coração, fígado, rins e, com isto, mudarmos esta realidade, oferecendo mais órgãos ao sistema e diminuindo a mortalidade dos pacientes em fila de transplante no Brasil.
A pandemia da covid criou obstáculos temporários, no entanto, mantenho inatacável meu entusiasmo para, após testemunhar o sucesso destes centros de recuperação de órgãos naquele país europeu, ir adiante com esta proposta, sensibilizando e envolvendo o Governo Federal e o Congresso Nacional neste projeto, pois temos a certeza de que assim diminuiremos o sofrimento de milhares de brasileiros.
Dr. Renato Silva é chefe da Unidade de Transplante de Fígado do Hospital de Base de Rio Preto e professor livre-Docente da Famerp (Faculdade de Medicina de Rio Preto).