Todo mundo erra, mas é preciso refletir e reconsiderar

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Rafael Cervone, engenheiro, empresário e presidente do Ciesp - Foto: Ayrton Vignola/Fiesp

Em meio a avanços relevantes, como a histórica aprovação da reforma tributária sobre o consumo (PEC 45) e o projeto de lei do Executivo referente à depreciação acelerada de recursos destinados pelas indústrias à compra de máquinas e equipamentos, com aporte inicial de R$ 3,4 bilhões, o governo cometeu um equívoco ao editar a Medida Provisória 1.202, no apagar das luzes de 2023. A desagradável surpresa refreou o otimismo quanto ao ano novo, devido à reoneração da folha de pagamentos, limite para o uso de créditos tributários decorrentes de sentenças judiciais definitivas e revisão do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Esse conjunto de resoluções aumenta os custos tributários das empresas, conspirando contra a retomada de níveis mais robustos de crescimento do PIB e geração de empregos, conforme apontam as análises de economistas e empresários e um lúcido documento assinado pelas quatro confederações representativas dos setores produtivos. Mas, em paralelo à questão econômica, há outro aspecto grave na atitude tomada pelo governo: a insistência em confrontar reiterada deliberação do Congresso Nacional. Refiro-me à aprovação do projeto de lei do Legislativo que prorrogou a desoneração da folha até 2027 e à derrubada do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à matéria, votada por ampla maioria no Senado e na Câmara dos Deputados.

O Parlamento, cumprindo seu papel institucional de representante dos cidadãos, tomou dupla decisão enfática, que acabou sendo ignorada pelo Executivo por meio da MP 1.202. Esta não configura uma ilegalidade, mas contraria a lógica democrática de respeito aos poderes constituídos e aos anseios claramente expressos pela sociedade e os representantes da indústria, comércio, agropecuária, serviços, transportes e vários segmentos dos trabalhadores.

Além dos impactos negativos da medida no ambiente de negócios, a postura do governo pode comprometer a significativa agenda prevista para 2024. Estão previstas a edição de leis complementares à PEC 45, incluindo o estabelecimento das alíquotas, a segunda etapa da reforma tributária, referente à renda, e a votação da administrativa, outra prioridade nacional. São temas fundamentais para recuperar o vigor de nossa economia, reduzir o “Custo Brasil” e propiciar melhores condições para o desenvolvimento sustentável.

Porém, depois da desafiadora MP 1.202, como ficará a capacidade de negociação e de diálogo do Executivo perante o Legislativo? No âmbito da pauta de modernização do arcabouço legal e aumento da competitividade, haverá a mesma disposição de diálogo e desprendimento político em favor dos interesses maiores do País, demonstrados, por exemplo, na tramitação da reforma tributária em 2023? Esperamos, ao fim do recesso parlamentar, em fevereiro, que a interação entre os poderes não tenha rupturas irremediáveis na presente legislatura.

Há iminente risco de a MP ser devolvida pelo Senado, conforme vêm reivindicando numerosos parlamentares e entidades de classe. Seria a terceira deliberação do Congresso Nacional em favor da desoneração da folha. A melhor alternativa para o governo seria refletir sobre a questão e reparar o equívoco relativo à desastrosa medida. Revisá-la não caracterizaria uma derrota ou demonstração de fraqueza, mas sim uma atitude nobre de reconhecimento de um erro e uma emblemática vitória do próprio Executivo, da democracia e da economia.

Rafael Cervoneengenheiro e empresário, é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp)