Caso você tenha vencido a obviedade do título do nosso papo de hoje e tenha vindo conferir sobre essa afirmação, é justamente isso que o título diz, você vai morrer.
Recentemente conversando com uma pessoa que também escreve e faz palestra ela me disse algo que chamou atenção: O óbvio também precisa ser dito.
E cá entre nós, existe algo mais óbvio do que a certeza da morte? Relutamos em falar sobre ela, talvez pela imprevisibilidade, mas também por ela estar na prateleira dos nossos assuntos indesejáveis.
O impacto desta frase talvez seja maior, porque ao lê-la, automaticamente colocamos em primeira pessoa. A morte mesmo que a gente não perceba acaba sendo tratada por nós como algo alheio, sempre do próximo, evitamos vê-la também como uma realidade nossa, nos parece sempre um fato terceirizado, sempre que falamos de morte nos vêm a mente os que já morreram, ou na melhor das hipóteses a morte de outras pessoas, a nossa fica desconsiderada.
Sei que a ideia de fim, de finitude nos assusta, mas podemos e devemos fazer uma leitura diferente da morte. São Francisco de Assis chamava a morte de irmã, isso, irmã morte, talvez ele via na morte algo que nós com nossos olhares rápidos demais, não conseguimos enxergar.
Penso que por mais absurdo que possa parecer, São Francisco ao colocar a morte como irmã, deixa claro que ele estabelecia um relacionamento íntimo com sua morte, e faz todo sentido. Nos relacionarmos de forma íntima com a obviedade da nossa morte, nos fará mais realista no nosso relacionamento com a vida, ser realista é ser verdadeiro, e a verdade é o que liberta, e torna a vida mais feliz.
Existe um ditado popular que diz: Os fins justificam os meios… Acontece que numa visão cristã, poderíamos fazer uma mudança radical nesse ditado e dizer: Os meios justificarão o fim.
Para exemplificar a ideia de morte como um novo início e não o fim, vou trazer uma experiência que tive a alguns anos atrás. Estive por 10 ou 12 dias numa viagem à China, conheci vários pontos turísticos, várias oportunidades de negócios, mas um rio em especifico me chamou muito a atenção, o Rio Amarelo. Esse rio como muitos que existem lá, também tem a sua nascente, tem o seu leito, percorre um bom trecho do território chinês, porém tem uma particularidade, diferente dos outros rios, esse rio não desagua no mar, o Rio Amarelo nasce, faz todo seu percurso, e em determinado local ele vai diminuindo e acaba…
Veja a particularidade desse rio, ele acaba e não morre, acabar é terrível. Na visão cristã, nós não somos como o Rio Amarelo, nós não acabamos, nós morremos, e morrer significa se lançar no oceano, no oceano divino.
Todo rio tem uma missão, ele nasce, ao caminhar no seu leito, ele irriga as margens mata sede, abriga peixes, enfim tem uma missão, aí quando termina sua missão se joga, isso se joga literalmente no mar, e se junta a outros rios que também cumpriram sua missão, ele não acaba, ele se torna mar.
Que analogia interessante, veja que a água doce do rio ganha o sabor do mar, rios mais poluídos se tornam limpos, ficam enormes, se tornam um.
Esse é nosso ciclo também, nascemos, e daí em diante precisamos irrigar o que está em nossa volta, e principalmente respeitar “as nossas margens” essa é a condição para não se acabar durante o caminho, e aí, cada um em seu determinado momento chega e se lança ao mar, se transforma em mar. Olhando assim, você como um rio teria medo de morrer ou de acabar?
Se conseguirmos a plenitude dessa convicção penso que desejaríamos ser mar antes, desejaríamos morrer, iriamos ver a morte não como um fim, mas como um transformar, um se tornar infinito, ganhar sabor, ser mais profundo. O ser humano não foi feito para acabar, foi criado para um renascer continuo até a plenitude da vida eterna…
Sei que entramos no campo da fé, acreditar nessa transformação é ter o passo do rio que anseia o mar, que respeita suas margens e avança com a convicção de São Francisco que ousou chamar a morte de irmã.
Quem me conhece sabe que sou católico, e dentro das orações sugeridas no catolicismo tem uma muito conhecida, penso que só não é mais do que a do Pai Nosso: a Ave Maria. Porque estou trazendo isso?
Você, principalmente católico, talvez nem tenha percebido na frase bem no final dessa oração que afirmamos nossa morte: “Rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte”.
Acontece que quando dizemos nossa morte, automaticamente nos remetemos ao coletivo, e isso terceiriza a nossa morte, parece que por dizer nossa, ela acaba sendo mais do outro, típico de nossa aversão a ideia de morte.
Não faz muito tempo, numa palestra, fiz uma sugestão aos que estavam ali, que fizessem a oração da Ave Maria, mas que trocassem o nossa, e dissessem: Rogai por nós pecadores agora e na hora da minha morte, muitos depois confessaram até uma dificuldade ao trocar, porque o coletivo nossa divide essa realidade com todos, agora quando trago para o individual, minha, aceito e entendo como uma realidade pessoal e intransferível.
Steve Jobs, fundador da Apple em um dos seus últimos escritos disse mais ou menos assim: “Com minha fortuna posso contratar os melhores profissionais para fazerem as coisas para mim, mas não posso contratar alguém pra morrer no meu lugar”. Essa é nossa única certeza, muito maior até a de que o sol vai nascer amanhã ou até que haverá ar para respirarmos.
Existe uma ideia generalizada de que o tempo se divide em três: passado, presente e futuro, para o Rio Amarelo o passado é a sua nascente, o presente é onde ele está agora, e futuro é quando ele acaba, para nós cristãos devemos incluir uma nova etapa que chega exatamente no futuro certo da morte, a eternidade.
Eternidade é esse abraço que o rio recebe do mar. Que nossa morte, e a morte daqueles que amamos seja também esse abraço, esse se lançar nos braços do infinito, nesse mar de misericórdia, que eu prefiro chamar de meu Deus.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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