Sempre no começo do ano tem uma expectativa sobre coisas novas, uma delas é programação nova na tv.
Acontece que, há mais de 20 anos, tem algo que não muda dentro da programação de tv brasileira, um tal reality show, (show de realidade) ou seja, o show da realidade.
Ele se repete com a mesma forma, o mesmo conteúdo, e tem sido sucesso para empresa que no caso, o produz e para os anunciantes.
É um programa cheio de polêmica, mas com resultado financeiro e de audiência.
Existem muitas opiniões por aí, e eu vou me atrever a dar minha opinião também, tentando o máximo deixar de lado toda a suposta moralidade desse conteúdo e fazer uma análise mais ampla, mais fria.
É um modelo com grande estrutura, muito bem divulgado, grande produção, mas isso outros programas também são, então aonde está a diferença?
Uma delas é a necessidade de informação que se tem sobre a vida do outro.
Quem sabe uma forma moderna da curiosidade com o outro, com o vizinho do lado.
Saber o que que o vizinho do lado comprou, como é o relacionamento dele com a esposa, quanto ganha, a estrutura emocional, os limites, etc.
Isso é histórico desde que o mundo é mundo, existe essa curiosidade, acontece que agora conseguiram jogar isso nesse jogo da tv, em rede nacional. Se confina 20 pessoas, e elas estão lá, sendo vigiadas 24 horas por dia, a maioria tentando fazer um personagem, apesar de que, sempre é revelado a verdadeira personalidade de cada um.
Esse modelo de apresentar ao público a rotina o dia a dia de outras pessoas, ao contrário dos filmes, das novelas onde os atores interpretam personagens, as pessoas ali tendem a interpretar a si mesmos, mas num contexto de extrema fantasia, pelo que sei, o dia a dia lá é repleto de comidas, bebidas, lazer, festas, mas nenhum momento se fala em trabalho por exemplo, em estudar algo novo, em espiritualidade, até onde eu sei, essas coisas são base de subsistência, ali não se vê contas pra pagar, não vencem boletos né?
E aí, movidas pelo desejo da fama, muitos fazem de tudo para expor suas privacidades, e assim ganhar visibilidade para poder, quem sabe, ganhar um papel em alguma novela, ganhar seguidores nas redes sociais, e alguns sonham até com um cargo público, já que ficou conhecido… acaba que, pasmem, tendo votos, sem precisar citar o nome, tem um caso bem emblemático de um ex hóspede dessa tal casa que foi direto depois para o Congresso Nacional.
É intrigante, como tantos brasileiros podem perder o seu tempo com algo desse tipo.
São mais de 20 anos em rede nacional com audiência recorde, assunto em todos grandes sites, todos, trazendo notícias sobre o que acontece na tal “casa mais vigiada do Brasil” e são essas as matérias mais lidas pelos internautas.
Esse programa explora um vício da própria cultura popular, a curiosidade. Esse vício é impressionante, porque faz com que as pessoas se viciem em investigar os vícios dos outros.
São Tomás de Aquino um baita estudioso do comportamento humano, diz mais ou menos assim: “Que existem dois tipos de curiosos: aquele que vive procurando por algo inútil, e aquele que procura por algo nocivo.”
Olhando para o conteúdo desse tal reality show, é obvio demais dizer que se consiste em querer saber algo sem utilidade alguma.
Então você pode pensar: “Mas isso é só uma forma de diversão, um passatempo, mais é algo muito mais perigoso que um simples espetáculo.”
É um incentivo as picuinhas, a difamar a vida do outro, a divisão, a formação de panelinhas, fofocas, e o pior, os tais grandes amigos, aí amigos bem entre aspas, são eliminadas um a um em um “paredão”.
A ideia central é que o vencedor seja aquele que conseguir de forma direta ou indireta, excluir os outros participantes. De forma subliminar fica claro que o sucesso do vencedor está em tirar o outro da frente, não de ter o outro como parceiro, mas sempre como concorrente, adversário, e sempre chamando de grandes amigos, que seria então os inimigos?
Sempre entendi, que os grandes amigos estão juntos quando algum está em dificuldade.
Esse modelo de programa faz sucesso em outros países, mas em se falando de Brasil, um país que 87% da sua população se declara cristã é no mínimo uma incoerência.
O cristão tem como modelo Jesus Cristo, aquele que nunca excluiu, seja leproso, seja prostituta, seja o ladrão na cruz, o cristão vive a fraternidade, “frater” quer dizer irmão, e irmãos não se excluem, nem são mandados para paredões por outros irmãos.
Imagino que o modelo perfeito de algo que se pudesse chamar de grandes amigos, seria, cada um dos competidores entrasse sozinho em uma casa e o vencedor fosse aquele que conseguisse trazer pra dentro e conviver com o maior número de amigos.
Sem querer culpar exclusivamente esse programa por um crescente egoísmo da sociedade, mas tenho convicção da contribuição negativa dele.
Se alguém que aos 10 anos, começou assistir e acompanhou todas as edições, hoje ele já está com mais de 30 e recebeu anualmente essa dose cavalar de egoísmo, de ante cristianismo, de falsidade, de ilusão sobre a realidade da vida, sem contar com a banalização de relacionamentos, de abuso de bebidas e por ai vai…
Me desculpe, talvez nesses quase 3 anos de programa semanal, esse é quase um desabafo, me corta o coração ver pessoas sendo formadas com esses princípios, com essas ilusões, e a cada vez mais somos procurados por pais desesperados com os filhos se drogando, se mutilando, ainda contar, o aumento assustador do suicídio, existe um porquê de tudo isso.
Se vende no geral uma ilusão, e queira ou não, mais cedo ou mais tarde, todos estarão diante da verdadeira realidade da vida, que nem sempre é um show, (a vida não é um reality show) mas é o nosso “reality”.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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