Tem uma estória sobre um rapaz que depois de muitos anos trabalhando em uma firma e também muitos anos de casado descobriu que sua mulher tinha um caso exatamente com seu patrão, ficou inconsolável, pois além de patrão ele também tinha como amigo. Foi falar com a mulher e para surpresa dele, ela confirmou, disse que isso já acontecia a muito tempo, e que não sentia mais nada por ele, e que o melhor mesmo para eles era se separarem.
Ainda chocado com a situação, com a novidade da situação, foi até a empresa falar também com o patrão, suposto amigo, foi aí que sem dar muitas voltas o patrão confirmou tudo, e acabou acrescentando que na verdade ele só trabalhava na empresa dele por esse caso, e já que a situação veio à tona, não tinha outra saída a não ser desliga-lo da empresa, resumindo: estava demitido.
Pois é, de uma hora pra outra o nosso amigo aí fica sem a família, sem emprego, com a estima lá em baixo, com um ódio terrível, da esposa e do agora ex patrão, e do “ex amigo”. Aquele que frequentava sua casa, até confidente as vezes agora se torna sua maior decepção, se torna o traidor. Enfim, essa é sua nova realidade.
A decisão foi pegar suas coisas e ir embora.
Ele sai, anda um pouco, chutando pedras, enxugando lágrimas, mas de repente é abordado por alguém que diz saber tudo que tinha acontecido, sabia o que estava se passando, e se apresentou como um anjo e que veio justamente para lhe recompensar pelo que estava acontecendo, e que ele poderia pedir o que quisesse.
Só que tinha uma única e exclusiva condição: “tudo que pedisse, o tal anjo iria atender, porém, daria em dobro pra quem naquele momento, ele estivesse sentindo mais ódio”.
Claro que na hora já veio à cabeça dele o ex patrão.
Pra não ter dúvida, ainda se esclareceu com o anjo: Quer dizer que se pedir uma casa… “Isso darei duas pra quem seu coração mais tem ódio no momento”, se pedir 1 milhão de dólares… “exatamente, darei 2 milhões pra quem você está com mais ódio” … e por aí vai, 10 milhões, 20 para o outro…
Ainda sem convicção pediu um dia pra pensar.
Não se conformava: Dar em dobro ao ex patrão não lhe parecia justo. Mas ponderava, que não poderia perder a oportunidade.
Chegou o dia seguinte e nosso amigo estava ali na hora marcada, no local marcado, esperando o suposto anjo e de forma surpreendente com um aspecto de quem estava realmente convicto do que decidiu.
Então o anjo chegou e perguntou: “E aí já sabe o que vai me pedir? Lembra que vou dar em dobro.” “Sei simmm.” Respondeu antes que o anjo terminasse a pergunta:
Quero que fure um de meus olhos…
Claro que você já entendeu, com essa opção, se sentiu realizado em perder um olho, pois consequentemente seu ex patrão perderia os dois…
Um absurdo, mas deixando de lado a fantasia dessa história, precisamos perceber que nós temos sim esse instinto de vingança quando imaginamos estar sendo passado pra trás, estar sendo prejudicado.
Penso que desde criança, aqueles filmes bang-bang, onde a tônica era a vingança sempre da morte de alguém, lembro as cenas onde a casa era invadida, ladrões roubavam tudo e matavam o pai daquela família, o filme se desenrolava com o único propósito dos filhos, vingarem a morte do pai, cresciam fixos no único objetivo: “fazer justiça”.
Esse conceito de justiça é extremamente equivocado, seria somente fazer vingança com as próprias mãos, ou com os seus próprios desejos.
Repetimos com atitudes os ditados populares que ouvimos: aqui se faz, aqui se paga, um dia é da caça o outro do caçador, o mundo das voltas, esse é um prato que se come frio; e nos colocamos como os encarregados em fazer essa tal justiça.
Essas situações tem de forma clara o desejo de que o suposto mal seja pago.
Segundo o dicionário, vingança é: ato praticado em nome próprio ou alheio, por alguém que foi real ou presumidamente ofendido, contra aquele que é ou seria o causador desse dano.
Ok! Mas existe também uma definição interessante da filosofia sobre isso, e diz assim:
“Vingança é um impulso que nos empurra com uma força bem maior que nossa capacidade para a boa bondade.”
Veja que assim criamos uma ideia de proporção: quanto mais imagino meu direito, meu prazer, meu projeto prejudicado pela ação de outro, mais me vejo no direito de agir me vingando.
Mas vamos ser sóbrios: Alguém já reconheceu verdadeiramente alguma vantagem na vingança?
Creio que seja essa a maior contradição com os ensinamentos cristãos que deixa claro, amar nosso inimigo, sabemos quanto isso é difícil, mas se continuarmos com a lei de dente por dente, olho por olho, que é esse instinto, vamos chegar todos no final, cegos e banguelas.
Na vingança todos perdem, como a estória do começo. É impressionante a sede que os injustiçados tem de se tornarem os injustos, o sonho que o oprimido tem de se tornar o opressor.
Olha, se você estiver disposto a sair para uma vingança, deixe duas covas abertas, muito provavelmente você também será de certa forma, enterrado.
Muito cuidado, pra não confundir vingança com justiça. Porque tirando a justiça divina qualquer outro de nós corre o risco de agir apenas por vingança, e vingança é a justiça do homem em seu estado mais selvagem.
Olha, a vingança não consegue ser nem criativa, pois nela você imita quem te ofendeu.
Seja mais criativo, se o outro errou com você, pelo menos erre diferente, não imitando ele errando também.
Sei que somos atraídos a agir com vingança, com uma embalagem de justiça, mas isso só alimenta a cadeia do ódio… a melhor resposta é se privar de imitar quem te ofendeu.
A deslealdade realmente ofende, mas a vingança é perversa, ela inibe o perdão, e sem perdão só vai sobrar rancor.
Então cuidado, para que sua revolta com o injusto não crie em você uma ânsia em se tornar o próximo injusto, o tal oprimido que sonha em se promover a “superior condição de opressor”.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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