SOBRIEDADE JÁ – PRETO SUJA MENOS

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Preto suja menos! Quem já não ouviu, aliás, quem provavelmente já falou e até deu conselho para alguém com toda a convicção na hora de decidir sobre a compra de um carro, a cor da roupa, e pasmem, eu já ouvi até sobre a cor da máscara que a gente está usando ultimamente na pandemia: “compra o preto, que suja menos.”

Por acaso alguém realmente acredita que a cor de determinada coisa pode impedir a sujeira de chegar? Claro que não. Você já entendeu de que não se trata aqui de sujar mais, mas de aparecer mais a sujeira.

Quando isso se dá com as coisas, nós até toleramos; o problema é que de certa forma a gente acaba procurando também um jeito de esconder nossas sujeiras. É instinto do ser humano mostrar mais o nosso lado supostamente limpo, a aparência de limpo tenta de toda forma se sobressair sobre o verdadeiramente limpo.

Tem um raciocínio que eu gosto muito e faço sempre que possível, que é a identificação da mudança de comportamento entre as gerações, recentes:

Quem não se lembra daquela máxima que os mais antigos diziam: “o homem tem que ser” e aí o verbo está bem claro, “ser” honesto, “ser” trabalhador, “ser” educado, “ser” limpo. Lembra nossos avós? Tinham isso como uma máxima: a seriedade nas ações, nas afirmações.

Acontece que uma outra geração começou a aparecer deixando de lado o ser, que acabou sendo substituído pelo ter. Aí o verbo é claro, “ter” dinheiro, “ter” status. E se eu parasse por aqui eu estaria sendo óbvio demais, quantas vezes você já deve ter ouvido isso.

Mas com um pouco mais de atenção você vai observar a evidência de uma geração atual que praticamente esqueceu o “ser”; talvez lute um pouco ainda pelo ter, mas essa geração se contenta simplesmente em “aparentar”.

Ser pai, ser professor, ser verdadeiro, ser responsável, perdeu lugar para o “aparentar ser”! Eu não preciso ser; se o outro imaginar que eu seja, já está ótimo!

É a definição clara de aparência, que é exatamente o que os olhos do veem, mesmo que não seja.

Mas Deus quando nos deu a visão, nos deu também o paladar. Sabe por que?

Porque se a aparência fosse suficiente, o sabor seria desnecessário!

Pensando assim, uma fruta não precisaria ser saborosa. Bastaria ser bonita. A gente pode até olhar uma fruta com uma aparência feia, mas é saborosa. O que importa? A aparência da fruta, ou o sabor da fruta?

Para manter a aparência ficamos procurando onde e como esconder as nossas sujeiras, ao invés da coragem em admitir que a situação precisa ser passada a limpo.

Interessante que viver escondendo sujeira também se acostuma. Acaba meio que virando um vício ter a verdade sempre escondida.

E acaba sendo muito difícil se fazer de bonzinho o tempo todo; é uma hipocrisia essa dualidade de intenção. Uma hora gosta, outra hora não gosta; uma hora prefere, outra hora despreza.

Que tal a clareza das intenções e de postura?

E olha falando-se em clareza, vale lembrar que o claro é o contrário do escuro. E é normalmente nesse escuro que guardamos nossa lista do que não queremos que a sujeira apareça.

E a dica é ser mais claro então. É ser limpo, é ser transparente. É cultivar o brilho; não se contentar em ser o reflexo do brilho do outro, valorizar sua essência, seus valores mais profundos, sair dessa tentação de parecer que é quando não é.

E nós mesmo sabendo que existe muita aparência por aí, muita superficialidade, acabamos valorizando mais a aparência do outro do que a própria essência do outro. Acabamos recompensando mais a aparência do que o próprio mérito. A aparência da virtude acaba sendo mais sedutora do que a própria virtude.

Não julgue uma árvore pela estação do ano; pode não ser o momento das flores, ou dos frutos!

E às vezes a beleza da flor pode até esconder um fruto venenoso.

E a gente roda, roda, e chega à conclusão de que a aparência é mentira. O próprio Jesus disse, ser Satanás o pai da mentira. Então poderíamos concluir também ser Satanás o pai das aparências.

A gente vai se acostumando tanto com as aparências, com as nossas aparências, com as dos outros, que acabamos aceitando como verdade essa grande mentira. E o fato de pensarmos que uma coisa é, não quer dizer que ela seja.

Lembre-se sempre: uma mentira pode se tornar um consenso, mas ela nunca vai se tornar uma verdade.

Porque viver em sociedade é um desafio; conviver é um desafio. A gente acaba se prendendo às normas, regras e costumes que seduzem nosso “ser” e o nosso “não ser”.

Criamos duas personalidades, no mínimo duas: a objetiva e a subjetiva. Objetiva: quem está mais perto ao nosso lado tem chance de conhecer melhor; e a subjetiva, essa é misteriosa, é colocada em xeque conforme a situação.

Uma vez li de um filósofo a resposta sobre a pergunta: “Quem nós somos?” E ele disse: “Somos nós, mais as circunstâncias.”

O que isso quer dizer? Que nós somos conforme o meio, conforme o que está a minha volta, conforme a circunstância:  eu mostro para o outro o que eu acho que o outro vai gostar; não sou transparente, sou escuro, e nesse escuro, a minha sujeira aparece menos.

Infelizmente vivemos nesta cultura da aparência, onde o carro que você tem vale mais do que a viagem; a sua roupa às vezes vale mais que seu corpo; a roupa do outro vale mais que o corpo do outro. O celular vale mais do que a mensagem, ou que a própria ligação.

Nesse mar de relações liquidas um atestado de matrimônio, o documento em si, vale mais do que o amor do casal.

E o pior, muitas vezes imaginamos que aquela nossa oração em voz alta possa valer mais do que a nossa real intimidade com Deus!

Por Carlinhos Marques

Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”


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