Vou começar comentando sobre uma pesquisa onde foi perguntado aos entrevistados, quem deles já havia sofrido algum tipo de injustiça.
Foram mais de noventa por cento os que afirmaram que de alguma forma já havia sido injustiçados, que não foram corretamente interpretados, enfim, que se chatearam com a reação do outro diante de alguma circunstância.
Ok! Mas a pesquisa não parou aí. Continuaram perguntando para estes mesmos entrevistados. Quem ali admitia já ter sido injusto. Ai então o número despencou para menos de vinte por cento. E aí? A conta não bate, não é?
Para que haja injustiçados, precisa haver injustos.
Mas a gente admite facilmente ter sido injustiçado, ter sofrido injustiça, mas tem muita dificuldade em se admitir injusto.
Nós temos a sensibilidade aguçada na hora de sentir a injustiça, mas acabamos indiferente, insensível quando somos nós os injustos.
Bom, mas se prepare porque eu penso que nós vamos continuar sofrendo injustiças e também vamos continuar sendo injustos, mesmo sem perceber ou o pior, às vezes sem admitir.
Seria bom se conseguíssemos ser mais perceptivos quando somos injustos, indelicados, insensíveis, isso iria diminuir muito a nossa postura injusta.
Não é tarefa fácil se desligar da incômoda sensação de ter razão e mesmo assim continuarem nos acusando, julgando, tentando remodelar nossa sensibilidade a ponto de nos convencer que estamos errados. Saber se desfazer dessa necessidade de provar nossa razão, gera um enorme conforto emocional, gera paz. E aí a sugestão:
Pare de gastar energia criando argumentos para se justificar!
Usei agora aqui a palavra “justificar”; eu gosto muito de saber a etimologia das palavras, sua origem, e fui procurar de onde vem o “justificar”; ela vem do latim “justificare” que quer dizer “tornar justo”. Então quando você fica com seus argumentos tentando que o outro seja justo contigo, há um desgaste, é um processo muito cansativo, acaba comprometendo a tua paz, porque está tentando fazer com que o outro faça aquilo que ele não quer: no caso ser Justo.
Então é preferível uma paz injusta do que uma guerra, por mais justa que a guerra seja. E olha, é uma guerra perdida, porque pessoas blindadas nas suas convicções, não mudam, e essa é a maior inimiga da verdade, a convicção cega, porque ela fecha as possibilidades.
Portanto a forma mais fácil de vencer uma guerra, é acabar com ela. Porque não existe guerra boa; em toda guerra, mesmo os vencedores saem perdendo. Guarde isso: não existe guerra boa e nem paz ruim.
E daí o título do nosso papo de hoje: Prefira ter Paz do que ter Razão.
Já ouviu que teimoso é quem insiste com o teimoso? Perda de tempo teimar com alguém que não está disposto a ouvir outra versão, outra leitura dos fatos.
Um filósofo francês, René Descartes, que disse algo mais ou menos assim: “Não há nada que tenha sido dado com mais abundância às pessoas, do que razão, porque todo mundo acha que tem de sobra!”
Pois é; todos se acham na maioria das vezes com razão. Tem pessoas que renunciam até à lógica para sustentar sua razão; não se baseiam em evidências, nem em verdades: sustentam sempre o seu ponto de vista, mas cuidado, muitas vezes o ponto de vista é a vista, vista somente de um ponto.
Mas sabe também que essa nossa insistência de convencimento do outro pode estar sendo uma carência? Sim, uma carência nossa.
Convencer vem de “vencer novamente”, então está embutido aí na nossa insistência, uma necessidade de vitória.
Se trabalhássemos mais essa nossa carência de vitória, com certeza a gente sofreria menos tentando convencer os outros.
O próprio Jesus disse: “Seja seu sim, sim e seu não, não!”
Esse nosso esforço em provar a razão, pode nos levar a uma fantasia de argumentos e sem perceber, ao criar essa fantasia de argumentos, comecemos a mentir e a consequência será perder a razão.
Tenho convicção do meu sim, expresso, cabe ao outro aceitar ou não!
Sei que chega a ser frustrante, você saber do fato, ter até vivido o fato, a convicção é plena da verdade, mas temos que entender que existem pessoas que escolhem acreditar no que lhe convém, não necessariamente na verdade.
Normalmente esses conflitos se dão entre a razão e a emoção. Acontece que emoção faz com que as pessoas renunciem à razão, por medo de se decepcionar, aí então optar por uma mentira é evitar pelo menos temporariamente a decepção. O medo da verdade faz com que criemos opiniões que as “defendam”.
Tenha a sensibilidade de optar pela paz, do que ficar por aí declarando guerra a todo instante por causa da sua razão.
Quem vive em contínuo conflito externo muito provavelmente é por estar em guerra dentro de si.
Que tal ao invés de declarar como inimigo aquele que não concorda com seu ponto de vista, que tal fazer dele um aliado? Como? Vendo essa pessoa como alguém que lhe dá a oportunidade de exercer a paciência, a oportunidade de praticar a tolerância. Pode parecer estranho, mas essas pessoas que afrontam nossas verdades, nossas razões, que colocam em dúvida até nossa índole, dão sim uma enorme oportunidade de oxigenar tolerância, paciência e o perdão.
O primeiro a perdoar sempre será o mais forte, mas o primeiro a esquecer sempre será o mais feliz. E felicidade sempre será nossa busca, inclusive quando insistimos em ter razão.
Quero encerrar com uma oração que aprendi há muitos anos atrás e a gente repete muitas vezes aqui no Novo Sinai, que é a Oração da Serenidade. Diz assim: “Concedei-me, Senhor, serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso modificar; coragem para modificar aquelas que posso, mas principalmente sabedoria para distinguir uma da outra!”
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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