Com a intenção de trazer para você esse raciocínio, do verdadeiro sentido da palavra sobriedade, sendo mais do que a ideia de sobriedade, quero partilhar também com você o próprio nome da coluna “Sobriedade Já”.
Várias coisas para nossa vida tem que ser “já”, porque o já é o hoje, não é amanhã e nem foi ontem, é a decisão, a ideia fixa que nós temos no dia de hoje, o ontem não existe, o amanhã também ainda não existe, é já.
A sobriedade como já partilhamos, que é muito mais do que a ausência de drogas e ausência de bebidas, é pra hoje. É pra agora. A sobriedade é pra agora, e também outras decisões na nossa vida são para agora. Às vezes a gente fica protelando, pré-datando decisões.
O propósito desta coluna, é interagir e de ser realmente útil nas reflexões que partilhamos aqui.
Quero dividir com você a ideia das… histórias, exatamente.
Quem de nós já não foi impactado, com as histórias que a gente ouve, histórias contadas pelos nossos pais, pelos nossos professores, os nossos avós, quem ainda não sentou ao lado, ou tem aquela lembrança de sentar ao lado do avô ou da avó, contando historinhas para nós?
Interessante que talvez, sem que a gente perceba quando ouvimos estas histórias, e olha que estou dizendo histórias, tanto histórias com “h”, histórias verdadeiras ou as estórias com “e” que são as fantasias, elas nos remetem para sermos personagens das histórias, você já parou para pensar sobre isso?
Quando ouvimos uma história, acabamos nos colocando de um lado e interpretando a história, acabamos criando sentimentos de um personagem da história.
Quando assistimos a um filme por exemplo, muitas pessoas choram no final do filme. O que é essa sensação? É que a gente se coloca como um personagem do filme, então nas histórias que ouvimos, acabamos nos envolvendo como um personagem daquela história.
Agora, quero falar de uma história, extremamente conhecida. É uma história bíblica. Independente da religião, independente até da espiritualidade que você se condiciona, é uma história além de extremamente conhecida é uma mensagem profunda. É a história do “Filho Pródigo”.
Quem já não ouviu essa história contada por Jesus nos evangelhos sobre o filho pródigo?
É aquele filho que estava com a família, com os pais, com o irmão, tinha tudo, era uma família… como a própria história diz, aparentemente bem sucedida financeiramente, tinha bens, os pais davam todas as condições para os filhos.
Mas aquele filho, se sentiu num determinado momento da vida dele, como que uma necessidade, uma sensação de que ele precisaria de algo novo.
Olha só, que é uma sensação experimentada por todos nós. Estou só começando a contar essa história e a gente já se coloca como personagem. Mas eu não quero te induzi a isso ainda, porém esse rapaz, que decidiu, para ele o “já” dele foi naquele momento, que ele disse assim: “Eu vou sair de casa. Vou pedir para o meu pai tudo que é meu, vou pedir minha herança, e vou sair, com dinheiro, quero a liberdade.”
Olha, que aquele filho tinha tudo, que uma pessoa poderia desejar, ele tinha jovialidade, tinha dinheiro, tinha saúde e tinha a família em volta dele.
Então é uma situação que causou esse desconforto para ele, por algum motivo, mas ele tinha elementos suficientes, para não se sentir com essa necessidade de coisas novas, mas é inerente ao ser humano sentir isso, sim. E ele foi…
Então como todo mundo conhece da história, esse filho pródigo, saiu, gastou todo dinheiro, ele teve, lógico que num primeiro momento toda uma retaguarda de pseudos amigos que se aproximaram por causa da condição e tudo mais, ok!
Só que, muito conhecida essa história e vocês a conhecem desde o começo, o meio e o desfecho dela.
Mas, quero trazer para uma realidade um pouco mais intrínseca, em algo que de repente a gente ouve as histórias e acho que esse é meu papel aqui… trazer para vocês alguns lados da história que de repente você não percebeu.
Esse filho só saiu, gastou todo dinheiro e chegou naquela situação que todos nós conhecemos, que perdeu tudo, perdeu os amigos, perdeu os bens que havia pego como herança dos pais e se viu numa situação, tratando de porcos, se alimentando… presta atenção! Com os restos que sobravam dos porcos.
Então aquele rapaz, com toda aquela estrutura e tal, se viu nesta situação. Foi o que restou para ele, conseguiu esse trabalho e a gente fica imaginando o pagamento que ele tinha direto, era de se alimentar com o que sobrava da comida dos porcos.
Normalmente a gente ouve essa história e acha que esse é o ponto chave, ele chegou nessa situação terrível e naquele momento ele disse: “Não. Vou voltar para o meu pai, vou pedir perdão.”
Mas o que eu quero trazer é uma provável situação que aconteceu com esse filho pródigo, durante esse período que ele alimentava os porcos.
Você consegue imaginar, que esse rapaz com fome, quando chegava a “lavagem”, ele se alegrava? Exato!
Ele pegava a lavagem que havia acabado de chegar, e eu consigo imaginar uma certa satisfação daquele rapaz quando chegava a lavagem, porque ele iria alimentar os porcos e sobraria para ele. E ele se alegrava, veja… aquele rapaz que tinha tudo, que estava em casa com os pais, com comida a vontade, com dinheiro, com saúde, com tudo… ele era capaz de se alegrar com a lavagem.
Percebe, como a nossa vida ela vai percorrendo caminhos, situações e momentos que a gente se acomoda no nosso “já” que eu falei no começo e nesse “já” que nós estamos vivendo a gente acaba aceitando, e até se alegrando com a chegada da lavagem. Vocês conseguem entender a gravidade disso?
Aquele rapaz que tinha tudo, acabava por ficar esperando, torcendo para que chegasse logo à lavagem.
Dentro desta história, eu fico imaginando, quantos de nós, quantas pessoas, usuários de drogas, quantas famílias, mergulharam numa situação terrível, uma situação de chiqueiro mesmo e se alegram de repente, quando chega essa migalha, esse resto e a gente acaba se contentando com o resto.
Nós não nascemos para isso, nós não nascemos para ser filhos pródigos, para comermos a lavagem não nascemos nem para sair da nossa casa, mas já que saímos, como filho pródigo saiu… é “já” a nossa decisão de voltar e não seja “já” a nossa alegria pela lavagem que chegou, mas o que eu quero deixar para vocês é essa ideia da aceitação daquilo que não está bom, daquilo que não é verdade nossa.
Vocês não podem se alegrar com a lavagem que estão vivendo em suas vidas.
De repente: “Ah é assim mesmo, as coisas estão difíceis. Nossa graças a Deus, chegou à lavagem…”
Muitas vezes nós somos esse filho pródigo, que se coloca nessa situação de aceitação.
Imagina, se o filho pródigo continuasse aceitando a lavagem… ele não voltaria, ficaria velhinho ali, morreria junto com os porcos.
Mas um dia, ele disse: “Não, eu não nasci para isso. Eu não nasci para comer lavagem.”
Mesmo tendo, com certeza, passado algum período, agradecendo pela lavagem, aceitando a condição, se alegrando quando a lavagem chegava.
Qual é a lavagem que está chegando na sua vida? Qual é o resto que está chegando na vida que de repente você, por um lance até de indecisão, por inercia, por omissão realmente contra os seus direitos, contra a sua natureza para a felicidade, você está até agradecendo.
O que você está agradecendo que não é seu? Que você tem que deixar de lado e ir buscar a volta, ou buscar novos caminhos?
Espero que você tenha entendido a ideia que quis trazer, não só daquele rapaz que saiu, errou e voltou, mas aquele rapaz que durante um certo momento do seu exilio e se alegrou com o resto, com a lavagem.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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