Entrei esses dias em uma empresa e em cima da mesa do rapaz que me atendeu, tinha um calendário. Isso! Um calendário ali marcando o final do ano, o último mês do ano.
Acontece que tinha algo particular, meio que pessoal no calendário daquele rapaz. Nos dias anteriores, ele havia feito um X, em cima do quadradinho onde fica o número do dia. Com uma caneta grossa até, inclusive me pareceu clara aí a intenção, que naquele ambiente de trabalho, fazendo isso, ele teria menos risco de errar a data em algum documento, em um cheque que ele fosse preencher… então olhando ali, o dia que não estivesse riscado com X, seria o dia de hoje, o dia que ele estaria vivendo.
Vi naquela atitude um recado também para mim, uma forma clara de ver, que aqueles dias não existiam mais.
E isso quer dizer muita coisa, porque para nós, o passado muitas vezes não passa.
Trazemos o passado para o presente. Não fazemos um X no ontem como deveríamos fazer.
Essa ideia de se contar o tempo, de se fracionar em horas, dias, meses, anos, tem essa utilidade, e no começo do ano nos vem sempre essa animadora ideia de recomeço, no tentar de novo. Como que não só um ano novo estivesse nascendo, mas também um “eu novo” estivesse começando. E nos empolgamos, com a possibilidade do carro novo, da casa nova, da roupa nova.
Agora a possibilidade do tempo novo, não é só quando mudamos de ano. Por que não inaugurar um tempo novo quando mudamos de segundo? É também uma fração do tempo; o tempo nos sugere isso. O tempo nos sugere a ideia de recomeço, como se ele nos dissesse assim: “eu me refiz, já me tornei novo; e você?”
Existe um movimento que veio dos Estados Unidos e começou no Brasil, se não me engano, no final dos anos 70, começo dos anos 80, que se chama “Amor Exigente”. Eu ajudei inclusive a fundar esse movimento aqui em minha cidade e me lembro bem que no começo da reunião, a pessoa que estivesse conduzindo, perguntava: “Que dia é hoje?” E todos respondiam de forma firme, e sugestiva demais: “É o primeiro dia da minha nova vida!” Aproveitando esse clima de começo de ano, onde as pessoas soltam fogos para comemorar essa fração nova do tempo, vamos enxergar e comemorar também, o novo que vem do próximo minuto.
Nessa época de início de ano as pessoas se encorajam para desafios, metas como as “promessas” de perda de peso, o tal regime. Acontece que o maior peso que trazemos do ano passado, talvez não seja no corpo!
Quantos pesos trazemos acumulados de anos e anos anteriores.
Veja que o carro novo, a casa nova, a roupa nova, ocupam o lugar do velho, mas nós deixamos o ano velho vir ocupar lugar também no nosso ano novo, com todo o seu peso.
Assim, o ano novo, o tempo novo já começa velho, já começa pesado; é o tal do “passado que não passa.”
Fico lembrando dos fogos de artifício do réveillon e me perguntando: será que as pessoas sentem esse “explodir” por dentro também? Será que brilha no escuro da nossa alma uma luz do propósito de um recomeço? Um recomeço de dentro para fora, um verdadeiro renascer?
Porque, na verdade as coisas em nossa volta serão as mesmas, não haverá muitas diferenças no exterior.
Você volta para seu trabalho, as pessoas são as mesmas, seu ambiente de trabalho é o mesmo; pode parecer frio, mas o sol é o mesmo, a árvore lá da rua da sua casa, do seu trabalho, que você passa para ir trabalhar, é a mesma, os prédios das ruas são os mesmos.
Então o que tem de novo? Só terá o novo que eu inaugurei em mim pela sugestão que o tempo me deu! Esse é sentido: inaugurar uma nova perspectiva de vida, entender que é preciso fazer um X realmente nos dias do ano passado, no mês passado, dia passado, quem sabe até no segundo passado.
Enxergar uma nova página em branco pronta a ser escrita. Ela me foi oferecida no começo do ano passado também; talvez eu nem tenha gostado de tudo que eu escrevi, então a comemoração se dá aí, os fogos se justificam, porque vejo a minha frente a oportunidade de escrever uma história nova.
Faça do passado aquele cômodo da sua casa, onde você guarda o que não usa mais. O passado serve para isso: guardar o que eu não quero trazer para o meu futuro, uma caixa para guardar aquilo que me incomoda e que não há necessidade de continuar comigo, um peso que não preciso carregar mais.
Minhas atitudes e atitudes dos outros nos chateiam, nos magoam, então eu deixo guardado lá nessa caixa chamada “passado”.
Um ano novo, só merece esse nome se fizermos com que ele seja novo. Acho até providente demais o Ano Novo se iniciar logo após o Natal. Porque não existe nada mais cristão do que o novo.
Jesus deixou claro que veio para nos dar vida nova e nos textos bíblicos não faltam personagens e situações que inauguraram vida nova a partir do encontro com Cristo, desde a prostituta que pelo seu passado iria ser apedrejada, até o ladrão lá da Cruz, veja que para aquele ladrão que só lhe restava alguns segundos novos, mas ele ao se encontrar com o Mestre, pode comemorar o seu novo.
Que tenhamos também nós, a sensibilidade de inaugurarmos tempos novos a cada instante que se apresente a nós, como perspectiva de novo.
Que venham homens novos para tempos novos…
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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