Tem uma frase do Bob Marley, dessas que circulam nas redes sociais que diz: “Se Deus criou as pessoas para amar e as coisas para cuidar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas?”
Seria uma colocação óbvia se o ser humano que gosta de reinventar, de reclassificar o que deus faz.
Infelizmente a gente observa pessoas usando pessoas e amando coisas.
E o consumismo exagerado faz a gente perceber o amor às coisas né? E o pior, pessoas usando pessoas para conseguir coisas.
Olha o tamanho da inversão.
A tal história de que para conseguir o que quero, passo por cima de tudo e de todos.
O que e quem estiver na minha frente, atrapalhando meu projeto eu excluo, ou pior, às vezes se faz pessoas de escada pra chegar no objetivo.
Esse apego exagerado tem alguns porquês, penso que um deles seja a auto afirmação.
Gosto muito de um raciocínio que faço sobre a evolução de gerações.
Apesar que temos que tomar muito cuidado com a palavra evoluir.
Evoluir não significa necessariamente melhorar, mas sim uma transformação.
A gente pode até dizer que a humanidade evoluiu, mas será que evoluiu no sentido de melhorar? Não em tudo né?
Na história da humanidade muitas coisas melhoraram, claro, mas outras não.
Esse é o sentido da palavra evoluir, no geral, que é se transformar independente de pra melhor ou não.
É um processo gradual, harmônico. Só mais um exemplo. Quando eu digo que uma doença evoluiu, isso não é uma coisa boa.
Inclusive os médicos quando vão comunicar a morte de alguém pra família, usam esse termo: o quadro evoluiu para óbito.
Mas a respeito do raciocínio sobre o comportamento da evolução das gerações, numa leitura mais atenta a gente percebe que, a tempos atrás as pessoas batiam no peito se orgulhando de ser.
Imagino que você já ouviu muito isso, talvez até falou: “Que no decorrer do tempo as pessoas já não se importavam mais tanto em ser, o objetivo agora era ter”.
Até aí seria um raciocínio muito raso.
O problema é que, com um pouquinho mais de sensibilidade, você vai perceber brotando entre nós uma geração que se contenta simplesmente em aparentar.
Nem ser e nem tanto ter… mas aparentar.
Isso é terrível!
E aí usam coisas e pessoas para aparentar. Aparentar o que não são, vou repetir: “Hoje muitos usam as coisas e as pessoas para aparentar o que não são”.
Até gostariam de ser, porque sendo, se tornariam aceitos na sociedade.
Uma vez, atendi uma mãe que pediu que conversasse com suas duas filhas, de uns 15 anos na época.
Percebi um perfil muito latente com essa necessidade de aparentar.
Durante nossa conversa, essas meninas me contaram que haviam vendido os celulares delas, juntaram o dinheiro dos dois usados e compraram um só novo.
Porque?
Porque estavam incomodadas que os celulares delas, já estavam relativamente ultrapassados, queriam um mais moderno. Não por necessidade do uso, mas pra mostrar aos outros que tinham um celular de última geração.
Então venderam os dois e compraram um só, e cada uma usava um dia.
Elas preferiram ficar um dia sem, mas com o celular mais moderno no meio do grupo.
Percebe aí, o amor às coisas? Para ser aceito pelo outro, pra ser amado pelas outras pessoas?
E esse “amado” aí sim, entre muitas aspas.
Enquanto isso, uma outra evolução é que nós, estamos cada vez mais expostos ao flagrante das câmeras, que pedem que a gente sorria porque estamos sendo filmados.
Mas é justamente aí, que está se expondo o instinto mais egoísta e soberbo do ser humano.
Quantas cenas de violência de autoritarismo tão sendo flagradas.
Amar as pessoas e não as coisas, vai muito além de uma atitude, quando existem câmeras por perto, deve acompanhar a gente independente se há fotógrafos.
É expressar a verdadeira elegância, e sorrisos para todas as câmeras, principalmente as ocultas.
Ai sim para se ficar verdadeiramente bonito na foto.
Você percebe essa elegância de não usar as pessoas, quando vê alguém se dirigir a sua empregada doméstica, aos garçons, aos frentistas de postos, aos subordinados, da mesma forma que se dirige a alguém quando precisa de um favor.
Nosso tom de voz até muda quando a gente baixa o vidro do carro e pede algum tipo de informação né?
Gostei muito de um meme que recebi, quando nesse tempo de pandemia estamos usando máscaras que forçam o nariz pra baixo, muita gente de nariz empinado por aí usando as pessoas.
E dentro desse contexto uma das afirmações mais conhecidas, que é uma frase de Shakespeare, vai se perdendo no seu significado: ser ou não ser eis a questão.
De forma sutil, vamos aceitando hoje o ter ou não ter, ou pior aparentar ou não aparentar, eis a questão.
O valor não está no tempo que as coisas duram, mas na intensidade que elas acontecem. Isso se chama viver.
Sinta que pessoas existem. E até use as coisas, mas para conviver com as pessoas.
Porque coisas duram, mas pessoas existem, e existir é viver, não durar.
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai,
que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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