Por Carlinhos Marques –
Tem uma historiazinha sobre o rapaz que entrou em uma livraria procurando um livro desses de autoajuda.
Então o atendente o levou até a seção onde estavam os tais livros e ele ali vidrado no meio de todos daqueles títulos cheios de perspectiva positiva, promessas, até que um dos livros chamou mais a atenção dele.
O título era esse: “Resolva todos os seus problemas”. O cara ficou entusiasmado com o livro, chamou o vendedor de lado e perguntou: “Seja sincero comigo: Se eu ler este livro, será que eu resolvo realmente todos os meus problemas?” Aí o vendedor olhou para ele e cheio do argumento de quem quer vender disse:
“Olha, eu não sei se você consegue resolver todos os seus problemas, mas a metade eu tenho certeza que consegue!” O rapaz não teve dúvida e disse: “bom se resolve metade dos meus problemas, já sei, vou levar dois!”
Lógico que é uma piadinha, mas faz sentido: temos a tendência em pender rápido para a solução mais fácil. Apesar que não dá nem para chamar isso de solução, no máximo dá para chamar de opção.
É comum tentarmos soluções simples para problemas complexos. Foi aí então que apareceu no seguimento da literatura, dos filmes, até em terapias, a opção por trazer soluções simplórias, acessíveis, baseado quase que exclusivamente na força de vontade de cada um, na determinação que cada um coloca nos seus desafios. Isto causou, claro, um enorme interesse tornando estes livros, estes filmes, esses cursos, um sucesso.
Ok! Não tenho aqui a intenção de forma alguma em desqualificar este tipo de publicação; acho até que ela pode agregar, desde que ela seja colocada no seu devido lugar, desde que passe pelo filtro da lógica, e principalmente pela nossa sensibilidade em não esquecermos nossa origem, que a gente entenda que essa convicção de que somos capazes de tudo, pode sim nos jogar num abismo de soberba, de arrogância.
Só para lembrar, esse foi o primeiro erro que temos notícia. O erro cometido por Adão e Eva, a arrogância, a soberba.
Veja, antes que você me ache radical demais, deixa em aberto a possibilidade de isso ter sentido sim; e o pior, que isso pode de forma subliminar, ter a intensão de um empoderamento do homem muito maior do que ele realmente é.
Quanto mais o homem se sentir autossuficiente, quanto mais pessoas se sentirem assim, capazes de tudo, mais tendem a descolar seu vínculo de criatura com o Criador. A figura do filho com o Pai.
Sabe que até a postura de alguns líderes religiosos, olha isso, acaba levando para essa linha; existem alguns discursos em alguns templos religiosos que mais parecem sessão de coach, ou de autoajuda.
Lembro num encontro de adolescentes, eu fazendo uma palestra para eles, e fiz uma proposta e tom de brincadeira: que iríamos ficar dois meses sem cortar as unhas e nos encontraríamos novamente, mas que todos nós, mesmo sem cortar as unhas, deveríamos estar todos com as unhas exatamente do mesmo tamanho.
Lógico que isso seria impossível, mas o que eu quis dizer com isso? Que nós não conseguimos controlar nem o crescimento das nossas unhas, não é sobre tudo que temos controle em nós.
E algumas destas publicações parece que querem nos convencer de que se subirmos em um prédio de vinte andares e tiver um pensamento positivo de que podemos voar, a gente pode saltar e vamos sair voando… Não, né?
Gente! Não existe nada mais tranquilizante e motivador do que a fé. Mas a fé em quem? Em mim mesmo? Esse é o “pecado maior”: descaracterizar Deus como Deus, criar deuses, muitas vezes me fazendo eu mesmo como meu deus!
Veja, ou dar um testemunho meu:
Há um tempo atrás eu estava em um show do Titãs e um dos pontos altos do show foi quando cantaram a música “Epitáfio”, penso que vocês conhecem. Começa assim: “devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer, aceitado as pessoas como elas são…” e por aí vai. Gente, são afirmações perfeitas, envolventes. Alguém duvida que a gente poderia ter feito mais disso? O problema é o seguinte: na hora que chegou o refrão eu me vi também ali em voz alta cantando com algumas milhares de pessoas que: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”; esse é o refrão desta música. E o que você acha disso?
Eu sei de todo o suposto teor poético, mas me senti incomodado. Porque eu e todas aquelas outras pessoas estavam ali, com certeza já havíamos dito talvez alguns milhares de vezes: “Pai nosso que estais no Céu, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade… o pão nosso de cada dia nos dái hoje, perdoai nossas ofensas… e não nos deixe cair em tentação, nos livre do mal…” e por aí vai; a oração do Pai Nosso.
Percebe que é no mínimo contraditório. Eu poderia até poetizar aqui e dizer que quando me faltou pão, quando eu precisei perdoar, quando eu quase caí na tentação, foi porque eu estava distraído… Só metáfora ou poesia.
O problema é que vi muito mais convicção em mim e nas pessoas cantando que é o acaso que nos protege, do que nas suas orações mais sinceras.
Olha, eu não sei como você está reagindo diante desse raciocínio, mas fico imaginando, caso isso fosse possível, atitudes como essa envergonhariam Deus! Sabe por que?
Imagina um pai, um pai humano, que cuida de seus filhos, que alimenta, que protege, desde pequeno, ensinou a andar, um pai de verdade, e de repente ele escuta os seus filhos dizendo que quem os protege é o acaso.
Eu sei que noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas já cantaram esta música sem nenhum tipo de problema, sem pensar nisso, mas se você tomar veneno, sem saber que é veneno, com certeza terá consequências…
Quando eu não coloco Deus como Deus, esse lugar fica vago, e algo ou alguém ocupa!
E não existe nada e ninguém que possa assumir e ocupar esse lugar.
Deixe Deus ser Deus na sua vida!
É do alto que vem o meu socorro, como diz o salmo.
Não está dentro de você a solução de tudo!
Que esse modismo contribua para que a gente entenda o limite da tal auto ajuda, e perceba que a verdadeira ajuda é aquela que vem do alto!
- Carlinhos Marques – Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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