Você sabia que uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa?
Aliás conseguiríamos até tirar esse certo peso de culpa se separássemos o orgulho, de vaidade. Veja: o orgulho se relaciona exclusivamente com a opinião que nós temos em relação a nós mesmos; a vaidade não; ela é a opinião que gostaríamos que os outros tivessem de nós, muitas vezes não damos conta que só percebemos vaidade nos outros quando ela bate de frente com a nossa vaidade.
Então vamos separar uma coisa da outra: O orgulho diferentemente da vaidade, normalmente vem após uma conquista real, por exemplo: o orgulho de um atleta logo depois de bater um recorde, ganhar uma medalha olímpica, ver a recompensa pelo esforço dispensado. Agora a vaidade é algo tão sutil na alma no comportamento humano que fica muitas vezes escondida atrás de supostas conquistas, e o pior, supostas virtudes, como bondade, generosidade. Veja: a vontade, o desejo de ser reconhecido com essas virtudes, normalmente é o que alimenta a vaidade.
Sabe que nesses anos à frente de uma associação filantrópica, conheci algumas pessoas que me parecem mais marketing associado a uma empresa, e às vezes pior, a uma pessoa.
Faça uma pesquisa e veja quantos institutos filantrópicos existem com nomes de jogadores de futebol, artistas famosos, isto no mundo todo, alas de hospitais com nomes de cantores famosos. Esta bondade, e não estou dizendo que não seja, pode sim estar escondendo um investimento em marketing pessoal: eu demonstro bondade para alimentar a minha vaidade e em certos casos, aumentar o meu lucro.
Lembra a história onde a personagem chegava diante do espelho e dizia: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu?” Pois é! Eu imagino que muitas vezes procuramos “o espelho” que a gente já sabe qual resposta ele vai dar; escolhemos o espelho: aquele que vai dizer exatamente que sou o “mais bonito”, porque se ele não disser, eu o quebro.
E aí aceitamos a resposta do espelho acreditando ser a verdade. Dá mesma forma que eu prefiro acreditar quando o outro me enche de elogios, eu aceito, e isto tudo para alimentar a vaidade, mesmo sabendo que pode não ser verdade.
Olha, não adianta a gente tentar quantificar níveis de vaidade, nem a nossa e nem a dos outros, porque o ápice da vaidade é justamente a capacidade que nós, seres humanos, temos em disfarçar a vaidade.
Logo depois de uma bajulação, a gente diz: “imagina… não fiz nada mais do que minha obrigação.” Imaginando ser isso também bondade, mas lá no fundo, a gente se sente pago, nos sentimos recompensado, e assim vamos fazendo circular a “moeda da bajulação”, pois ela só circula porque ela é capaz de comprar a vaidade.
Então talvez, seja a falsa modéstia o último requinte de vaidade!
Outro fato muito sutil na vaidade é que ela normalmente tende a abolir regras, não aceitar regras. Porque diante de uma postura vaidosa, a pessoa tende a fazer a interpretação que lhe convém da regra.
Além disso, a vaidade tira muito da nossa condição humana, porque ela não nos permite a falha, não permite a tristeza, não permite a dor do fracasso.
Se digo que errar é humano, não admitindo a queda, posso estar barrando a possibilidade de crescimento; é onde a vaidade atua. Ela barra minha chance de ser melhor, de ser, ser humano.
Temos que tomar cuidado porque esse pecado capital, que é a vaidade pode sutilmente ser visto nos dias de hoje, preste atenção, como uma virtude. Sabe como? Ele vem disfarçado de autoestima, de coragem, de determinação, ninguém vê os nossos limites.
A figura dos pais dos dias de hoje, tendem a aumentar a vaidade dos filhos. Eles se sentem na obrigação de não frustrar os filhos; os filhos não podem se frustrar, eles não podem sofrer, não podem ter sua vaidade ferida. E nisso o ser humano deixa de se autoconsertar, porque é poupado de toda dor, e acaba sendo poupado daquela dor que o faria crescer.
A vida se desgasta, isso é normal, e causa dor.
Mas acabamos trocando a dor do desgaste pela vaidade da novidade; troco o computador pelo mais moderno; a roupa por outra na moda; troco sapatos; celulares. E sem perceber, acabamos trocando também pessoas. E nessas trocas se alimenta também nossa vaidade. A troca contínua nos faz sentir mais interessantes, alimenta uma vaidade que joga tudo fora, não conserta.
A humildade que é o contrassenso da vaidade, mas está cada vez menos presente nas virtudes modernas, pois a humildade é o processo de aceitação, de tolerância, de autoconsertar-se.
Recebemos de braços abertos todo e qualquer elogio, afago no ego mesmo que falso, acreditamos naquilo que nunca poderíamos ter creditado.
Fazemos igual Lúcifer que um dia acreditou que poderia ser igual a Deus! E esse pecado, esse primeiro pecado, se repete hoje, é essa briga nossa com nosso ego insaciável.
A vaidade está extremamente ligada ao princípio da comparação; não haveria vaidade se não colocássemos o parâmetro comparativo: eu tenho que ser melhor que o outro. Quando o grande desafio do ser humano é ser melhor do que ele mesmo ontem.
As redes sociais hoje aumentaram essa tal necessidade de ser visto: eu preciso fotografar onde eu fui; preciso fotografar onde estou; preciso fotografar o que estou fazendo; fotografar o que comi. Senão, parece que eu não fui, parece que não comi… continuo “com fome”, precisando de uma foto para ser compartilhada para alimentar vaidade.
Esses dias eu vi, que quando o homem foi à Lua tirou quarenta fotos; hoje o homem anda alguns metros de bicicleta e tira duzentas fotos. Isso é só o avanço da tecnologia de se tirar fotos? Não é, claro que não! É o avanço da necessidade de se alimentar a vaidade. E acaba se tornando um vício contemporâneo.
A vaidade é frágil. É o olhar somente para si; é se achar superior ao que realmente se é; é passar por cima do outro, até diminuir o outro para se parecer maior. É quase uma cegueira que foca somente em si, é o narcisismo que te prende somente naquele espelho que reflete exatamente o que você quer ver.
É esse o pecado capital que gera os outros pecados: o egoísmo, a ambição, a inveja, o ciúme, a maledicência, que são para a alma uma porção venenosa que precisa ser arrancada todo dia.
E o antídoto, o soro, o contraveneno da vaidade é a verdadeira caridade e a verdadeira humildade!
Por Carlinhos Marques
Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”
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