SOBRIEDADE JÁ

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Carlinhos Marques - Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai

DIREITO E AVESSO

Vocês devem se lembrar, não faz muito tempo, de uma campanha da OAB, (Ordem dos Advogados do Brasil), e no material de divulgação dessa campanha, tinha um slogan com uma frase assim: “Consulte um Advogado Você tem Direitos.”

Vi esse adesivo em vários carros, com essa afirmação mais do que legítima, só que de certa forma ela me incomodava, parecia incompleta, até que entendi esse incômodo; foi quando eu completei a frase, e é isso que eu quero partilhar com vocês.

Imagino que para que aquela frase ficasse completa, não só para a campanha dos advogados, mas para a vida das pessoas em geral, teria que ser assim: “Você tem Direitos, mas Você também tem Avessos.”

Imaginou que iria dizer que tem deveres, não é?

Mas isso seria muito óbvio, você já ouviu muitas vezes.

Acontece que além do direito, do lado direito, nós temos o lado avesso. Da mesma forma do avesso de uma blusa, de um vestido, de uma camisa, de uma calça se diz: “esse é o lado direito, esse é o avesso”, nós, seres humanos, também temos direitos e avessos.

O direito talvez seja essa parte visível, palpável, a aparência. O outro lado, o avesso, o nosso interior, aquele que na maioria das vezes fica escondido, fica oculto.

Lembro que certa vez ganhei um quadro bordado com a oração do Pai Nosso: muito bonito, com aquelas letras todas bem distribuídas; não sei bem como se chama esse bordado, me parece que é ponto cruz, alguma coisa assim. Mas me chamou muito atenção o avesso daquele quadro.

Na frente as letras todas certinhas, simétricas, alinhadas… no avesso era um emaranhado de linhas amarradas, de cores diferentes, mas era aquele aspecto disforme, feio, sem sentido que dava sustentação para o lado dito como o direito.

E nesse paralelo, do avesso do quadro e o nosso avesso, o nosso lado de dentro, o nosso lado escondido.

Este é o lado que faz parte do nosso todo. O problema é que a gente se preocupa demais com o direito, isto em todos os sentidos, inclusive sim com o direito de ter direitos, nos preocupamos em esconder nosso avesso, deixamos tão escondido dos outros que até escondemos de nós.

Como no quadro que se o avesso não for bem amarrado, não for cuidadosamente elaborado vai se desmanchar com o tempo, nós também teremos problemas se não cuidarmos do nosso avesso.

Veja esse avesso como a verdade; como aquilo que existe e insistimos em esconder mesmo sabendo que existe.

A falta de cuidado com o avesso faz com que ele fique sujo.      Roupa suja pelo lado de dentro, incomoda, mas às vezes a gente até usa; se por acaso manchou, acabo na correria usando sem problema, uso minha roupa que está suja no avesso afinal de contas ninguém está vendo.

Mas, e o nosso avesso? Eu continuo usando mesmo que seja um avesso sujo?

Pois é. Como a gente usa nosso avesso sujo, manchado, encardido né?              Diferentemente da roupa, não podemos nos trocar se estamos sujos por dentro. Mas podemos e devemos fazer uma higiene contínua!

Como seres humanos complexos que somos, nossos avessos sujos, mal cuidados, desprezados, compromete todo o conjunto.

Eu imagino que talvez vocês já tenham me ouvido dizer sobre três momentos recentes da história, onde comportamentos foram se alterando.

Na primeira, pessoas extremamente preocupadas com o “ser”.

Passa-se um tempo e vai se deixando de lado o “ser” e se começa a se preocupar muito mais com o “ter” o consumismo da revolução industrial etc.     Mas se eu parasse o raciocínio por aqui eu estaria sendo óbvio, previsível demais. O que vejo hoje é uma geração que já não está mais preocupada em “ser”, nem em “ter”, mas se contenta simplesmente em “aparentar”.

Uma geração que se preocupa muito pouco ou nada com o avesso.    Cuidam da aparência do externo, como o lado direito, e não cuidam do interno do avesso, do que verdadeiramente o sustenta.

Vemos hoje de forma maciça nossos ouvidos sendo impactados com a ideia que só temos direito, direito, direito; e por ignorar nosso avesso uma das consequências é sim também esquecermos as obrigações.

Se eu te perguntar agora: Qual você imagina ser sua maior expressão do avesso? Aquele que existe, mas você não vê, ou não quer ver, mas sabe que te sustenta, que vai durar muito mais que seu corpo, que sua aparência, que não se acaba nem com a morte?  Eu diria: a minha alma!

Poderia então afirmar com segurança que deveríamos fazer o adesivo, ou outdoor, dizendo que “o ser humano tem direito sim, que também tem avesso, que se chama alma e precisa ser cuidada!”

Tive uma experiência, que acho nunca contei em público, foi quando meu avô faleceu. Fui acompanhar a abertura do túmulo, onde estava sepultada minha avó, iriamos colocar o corpo dela junto ao do meu avô. Me chamou muito a atenção,  quando se que abriu o túmulo, os ossos, sim só os ossinhos da minha avó, e do lado dele as alças do caixão, que talvez por terem sido feito de um material mais resistente durou mais, no entanto, todo o resto havia desaparecido, acabado! Todo o lado direito, visível, daquele corpo não resistiu e desapareceu.

Mas e a alma? E a alma que sustentou este corpo? Essa continua existindo! Nunca foi aparência, mas permanece para a eternidade!

Gente! Uma alça de caixão é capaz de durar muito mais que o nosso corpo! Isso quer dizer que o nosso direito acaba; direito tem fim, enquanto o avesso é eterno!

Não se canse de se descobrir! Não desista de se descobrir! Não desista de conhecer o seu avesso!

Não tenha problema em encarar todos os seus lados!

Cuidado com o grito alto e enganoso que insiste dizendo que “você tem direito, você tem direito!” muitas vezes com a intenção de que a gente nos veja simplesmente de um lado só.

Somos direito e avesso, mas o que importa é que sejamos um só, independente do lado que estamos sendo olhados.

Por Carlinhos Marques

Presidente Fundador da Comunidade Terapêutica Novo Sinai, que acolhe dependentes químicos desde 2005 de forma voluntária e gratuita, idealizador do projeto “Sobriedade Já”

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