Por Antoninho Rapassi
Pelo telefone, um amigo quis saber quais as causas que determinaram a importância do dia 2 de Outubro de 1956, conforme foi registrado em certa crônica anterior. Gostei muito da interpelação, pois assim veio imediatamente um grande desfile de acontecimentos que estão arquivados em minha memória. Aliás, uma santa memória na qual conservo e proclamo minha paixão pela construção épica de Brasília.
E não foi sem razão, de eu ter sido atendido pelas graças do Céu quando pedi fervorosamente, para que fosse nela onde pudesse nascer o meu primeiro filho. Nasceu o primeiro e mais três dos oito que hoje compõe a minha grande fortuna.
Voltando para esclarecer sobre as causas remotas e depois as mais próximas que, finalmente determinaram a construção de Brasília, devo recorrer ao início do governo do Presidente Juscelino Kubitschek, em Janeiro de 1956. Foi sob um clima de grande tensão política, de declarada oposição ao chefe da nação, tudo ainda em consequência do suicídio de Getúlio Vargas, em Agosto de 1954. JK precisou praticar as melhores das suas diplomacias pessoais para contornar os problemas terríveis que aconteciam em cascata. Por exemplo, tendo conseguido se eleger presidente nas eleições de Outubro de 1955, já no dia 11 de Novembro daquele ano houve a primeira tentativa de golpe, comandada por João Café Filho que ocupava a cadeira presidencial e se expunha como inimigo do presidente-eleito, obedecendo a batuta dos líderes do poderoso partido chamado UDN, adversário implacável de JK.
Café Filho quase nada deixou de legados à história. Classifico como absurda a sua decisão tomada assim que o Marechal José Pessoa, voltando da última missão militar que foi ao Planalto Central, trazendo na bandeja a escolha definitiva do retângulo onde deveria instalar-se o Distrito Federal, sob a égide da nova capital da República, e pede para que o presidente edite um decreto para fins de desapropriação de toda aquela vasta área, para impedir a desenfreada especulação imobiliária que poderia vir. Foi no dia 15 de Abril de 1955 (veja isso, Rinaldo) que aconteceu a escolha definitiva do local. Café Filho recebeu o pedido e não se pronunciou a favor e nem contra. Obviamente, precisava consultar quem o tutelava no cargo.
Somente no dia 28 de Abril de 1955, por sua insistência, o Marechal José Pessoa sofreu uma penosa desilusão: “Isso é coisa de louco e eu não assino”, teria dito o presidente Café Filho.
A tarefa da desapropriação coube ao governador de Goiás, José Ludovico de Almeida, que, sabendo da real importância de se fixar a capital da República no Centro-Oeste, assinou o decreto no dia 30 de Abril, dois dias após a negativa do sucessor de Vargas na presidência da República.
Ações militares sob o comando do General Teixeira Lott, Ministro da Guerra, anularam os dois golpes que pretendiam impedir a posse de JK. Foram os golpes de 11 e o de 22 de Novembro de 1955, muitos políticos famosos, militares da Marinha e da Aeronáutica e até o governador do estado de São Paulo (o homem da vassoura) tramaram pela anulação das eleições e pelo impedimento da posse dos eleitos, visando alijar JK de chegar à sua posse no Palácio do Catete.
A posse de JK na presidência da República aconteceu no dia 31 de Janeiro de 1956. Superada a primeira crise institucional que foi a rebelião de Jacareacanga, em pleno período carnavalesco, logo a seguir o presidente cuidou de executar uma impecável engenharia política para salvar juridicamente o seu projeto mudancista, que ele procurava demonstrar pouco interesse, sendo discreto ao máximo.
Naquele momento histórico, o Brasil contava com celebridades no mundo jurídico e político. Uma dessas celebridades era o professor Santiago Dantas, a quem JK encomendou a mensagem e o projeto de lei, a fim de que o Congresso, uma vez aprovado, lhe daria o direito de ação e a carta-branca para comandar a missão desafiadora. A lei veio sob o número 2.874 e foi sancionada no dia 19 de Setembro de 1956 por JK, que recomendou o maior sigilo quando de sua publicação no Diário Oficial, para evitar interpelações dos adversários, pois era seu desejo iniciar o quanto antes, os trabalhos no Planalto Central.
Portanto, menos de quinze dias, quando o presidente já dispunha de lei que o amparasse para o comando da epopeia, sucedeu-se o pouso da aeronave da FAB, um DC-3 que aos trancos e barrancos corcoveou sobre as asperezas na improvisada pista de terra batida do cerrado, feita sob os braços fortes e determinados do meu grande e inesquecível amigo Luciano Pereira.
Luciano Pereira veio em Setembro de 1956, diretamente da cidade goiana de Luziânia para preparar o campo de pouso e assinalar pela primeira vez em que Juscelino Kubitschek colocou os pés no Planalto Central.
Eram 11 horas e 40 minutos, sob a intensidade do sol quando ali desceu a comitiva que inaugurou a chegada do progresso descomunal, naquela manhã de 2 de Outubro de 1956, em que a História perpetuou a célebre frase que o Presidente JK escreveu no final daquela tarde, pouco antes de voltar para o Rio de Janeiro:
“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará no cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos, mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.”