Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Quando a tecnologia entrou nas nossas vidas, muita coisa mudou. Longe de ser um avanço homogêneo, ela trouxe consigo uma revolução silenciosa, quase imperceptível para quem vive o cotidiano da sala de aula, onde o giz e o quadro negro ainda dividem a atenção com smartphones e redes sociais. E entre os tantos efeitos dessa revolução digital, o mais intrigante, sem dúvida, é a inversão de valores que ela trouxe à tona: onde uma curtida pode ter mais peso do que a palavra falada, onde a opinião de 140 caracteres pode ser mais forte que uma aula inteira.
Ah, como eu gostaria de poder dizer que essa reflexão está distante do meu dia a dia de professor, mas ela se faz cada vez mais presente em cada uma das minhas aulas. O pior é que, em muitos momentos, me vejo torcendo para que essa revolução digital tenha ao menos algum benefício na educação, mas os desafios vão além das limitações tecnológicas. Eles estão no comportamento dos alunos, nos nossos próprios valores e, sobretudo, na forma como nos conectamos emocionalmente uns com os outros.
Em meio à rotina acelerada das redes sociais, onde cada curtida, cada comentário e cada compartilhamento parece ser mais importante que qualquer experiência vivida de fato, a educação emocional — aquela que nos ensina a lidar com nossos sentimentos, a perceber os dos outros e a tomar decisões baseadas em empatia — foi substituída por algoritmos que calculam a nossa popularidade, nosso engajamento. E, sinceramente, isso não tem sido fácil para a educação.
Lembro-me do primeiro dia de aula após a popularização do Facebook e Instagram entre os alunos. Eles entraram na sala comentando sobre essas redes e seus celulares, não porque quisessem me desrespeitar, mas porque estavam, de certa forma, presos a um mundo que parecia mais urgente do que o conteúdo que eu tinha a oferecer. Eu, sempre o “Professor Beto”, carregava o orgulho de ser aquele que transmitia conhecimento — ou, pelo menos, era isso que eu pensava. No entanto, rapidamente percebi que o verdadeiro interesse dos meus alunos não era conhecer os tipos de ângulos ou conhecer gêneros textuais, mas a quantidade de notificações que tinham em suas redes sociais a cada segundo.
“Professor, não vejo a hora de chegar em casa para ver meu celular!”, indagou um aluno, com a cara preocupada, como se estivesse pedindo permissão para ir ao banheiro.
“Claro, mas agora vamos prestar atenção na aula!”, respondi com certo receio.
“É que se eu tenho que responder algumas mensagens, não posso perder a oportunidade de ganhar mais seguidores. E daí a pessoa não curte mais a minha foto, e o algoritmo me diminui.”
Eu, que já estava tentando entender as complexidades do algoritmo da mente humana, me vi em um impasse ainda maior: como ensinar a importância do tempo presente se a atenção dos meus alunos estava, cada vez mais, sendo roubada pelo que acontecia online? Como ensinar sobre a profundidade das emoções humanas se os corações e as estrelinhas eram mais desejados que um simples gesto de empatia ou um abraço genuíno?
A realidade é que, na era digital, somos tomados pela necessidade de validação imediata. A curtida se tornou uma moeda de troca emocional. E isso, de certa forma, destruiu um pouco do que a educação emocional deveria proporcionar. Hoje, muitos jovens já não sabem mais conversar sem a “ajuda” do celular, como se fosse possível sentir e compreender algo profundo sem a aprovação de outros.
Acredito que uns dos maiores desafios do século XXI é a educação emocional. Não se enganem: não estou aqui para criticar a tecnologia. De forma alguma! Sou um grande entusiasta das possibilidades que ela oferece, desde que bem utilizada. Mas é inegável que a velocidade com que ela se desenvolve tem provocado um distanciamento das nossas emoções mais genuínas. E é nesse cenário que entra a importância de se discutir a educação emocional nas escolas, especialmente para os jovens que estão formando sua identidade em meio a tanto estímulo.
Mas o que é educação emocional, afinal? Não se trata apenas de aprender a falar sobre os próprios sentimentos. Vai além disso. Educação emocional é aprender a lidar com a frustração, com o erro, com o medo de não ser aceito, com o desconforto da vulnerabilidade. E esse aprendizado precisa acontecer em um ambiente que, ao invés de ser superficial e rápido, seja reflexivo e profundo. Não podemos deixar que os nossos estudantes se tornem seres desconectados de sua própria humanidade em nome de uma busca incessante pela perfeição de imagem nas redes sociais.
Eu me lembro de uma aula que ministrei para uma turma do ensino fundamental, 5º ano para ser mais exato. A proposta era discutir os sentimentos humanos através de um texto do gênero poema. A questão central era como o eu lírico, com uma narrativa repleta de introspecção, mostrava o vazio existencial buscando se autoconhecer. Pois bem, ao perguntar o que os alunos acharam do poema, um deles disse: “Eu não entendi nada, mas o desenho que ilustra o texto é muito legal.” E aí, como continuar com a discussão sobre a busca pela compreensão emocional quando o valor da estética e da imagem superou a profundidade do texto?
Em outro momento, um aluno se levantou e perguntou: “Professor, isso de ‘ser verdadeiro consigo mesmo’ funciona mesmo? Porque na real, ninguém está nem aí para o que você sente, desde que você consiga postar algo legal e ter muitos likes.”
Esse tipo de reflexão me fez pensar que o verdadeiro desafio do educador não está apenas em ensinar conteúdos curriculares, mas também em preparar os alunos para um mundo onde as emoções precisam ser administradas de forma madura e empática. E isso, meus caros, é um trabalho que demanda muito mais do que se imagina. Exige de nós, educadores, não apenas o domínio do conteúdo, mas também uma sensibilidade para lidar com as necessidades emocionais de nossos estudantes.
Temos um grande desafio nas mãos, lidar com o impacto do algoritmo e a busca pela validação externa. E quando falo da necessidade de validação, não estou me referindo a algo novo. Todos nós, seres humanos, temos o desejo de ser reconhecidos, de ser vistos, de ser amados. Mas a grande questão hoje é que essa busca pela validação se transformou em um ciclo vicioso alimentado por algoritmos que determinam o que é “bom” e “ruim”. Um like vira um termômetro para medir a importância daquilo que fazemos, a nossa autoestima se torna refém da opinião alheia e o valor das nossas emoções se esvai à medida que nos esquecemos de nos conectar com a nossa própria essência.
O pior é que esse ciclo não afeta apenas os estudantes, mas também a nós, professores. Quantas vezes, ao final de uma aula maravilhosa, com discussões riquíssimas e aprendizagens profundas, não me peguei imaginando se as redes sociais iam validá-la de alguma forma? Se a quantidade de curtidas que eu receberia poderia ser um reflexo da qualidade do meu trabalho? E a resposta, muitas vezes, é dolorosamente óbvia: os algoritmos não têm sentimentos. Eles não medem a profundidade do olhar de um aluno ao compreender um conteúdo pela primeira vez. Eles não captam a emoção de um aluno que, por meio de uma aula, conseguiu superar um bloqueio emocional.
Acredito que só vamos superar essa superficialidade quando aprendermos a importância da autenticidade.
O que, então, podemos fazer? Como resgatar o valor da palavra, da empatia e da conexão emocional, em um mundo que valoriza mais a imagem do que o conteúdo? A resposta está em resgatar a autenticidade. Precisamos ser nós mesmos, como professores e seres humanos, e mostrar aos nossos alunos que o mais importante não é o número de likes, mas a profundidade da experiência vivida. E, para isso, a educação emocional precisa ser uma prioridade. Precisamos ensinar os alunos a reconhecerem seus próprios sentimentos, a compreenderem que o valor da amizade, do carinho, da empatia e do respeito não pode ser medido em números.
Devemos nos tornar mais do que simples transmissores de conteúdo. Precisamos ser facilitadores de uma educação que valorize a inteligência emocional, que ensine aos nossos alunos como lidar com as adversidades da vida, como aprender com os erros, como crescer com as frustrações e, principalmente, como ser uma pessoa melhor. Uma pessoa capaz de se emocionar verdadeiramente com a beleza de um poema, com a descoberta de um novo saber, com o sorriso de um amigo verdadeiro.
E, no final das contas, talvez a maior lição que podemos ensinar é que o valor de uma palavra não está no número de curtidas que ela recebe, mas no impacto que ela causa no coração de quem a ouve.