Desde as primeiras colunas venho defendendo que a divisão entre direita e esquerda é muito pobre para abarcar todo o espectro e as nuances políticas, mas também é certo que a simplificação gera um diálogo e uma maior identificação com os militantes.
O título da coluna de hoje subverte o livro publicado em 2014 e intitulado “Por que virei à direita”, no qual constam três artigos dos intelectuais Luiz Felipe Pondé, Denis Rosenfeld e João Pereira Coutinho, e pelas quais tentam explicar sua opção pelo conservadorismo.
Vejam bem, o subtítulo do livro trata o conservadorismo como uma atitude da direita, mas o mais correto seria uma atitude de centro, já que este modo de proceder no governo visa a uma maior estabilidade das relações institucionais, a um ceticismo e à solução pontual de problemas sociais.
Desta forma, uma atitude de centro e conservadora no governo poderia servir de adjetivo tanto à esquerda quanto à direita.
Sob este ponto, o bolsonarismo seria uma direita conservadora? Não se mostrou como tal quando esteve no governo, pelo fato de ter focado internamente no enfrentamento a outros poderes e externamente em uma deturpação do processo eleitoral brasileiro.
Esta então é uma primeira constatação: há esquerdas e há direitas.
Os noticiários desde domingo vêm repercutindo a eleição de Javier Milei como presidente da Argentina, taxando-o como um anarcocapitalista ou, abreviando, ancap, onde os extremos da esquerda e da direita praticamente se encontram: a anarquia e o capitalismo.
Esta eleição tem sido festejada pela direita brasileira, ou melhor, pelo bolsonarismo, como uma centelha de esperança que volta a brilhar na América do Sul para as eleições presidenciais de 2026 do Brasil, e daí surgem mais algumas confusões.
Ultraliberalismo, anarcocapitalista, extrema-direita, ultradireita, fascismo, reacionarismo, nazismo, liberalismo seriam a mesma coisa e estariam todos na “Direita”? Pelo sendo comum sim, mas têm características muito diferentes entre si, o que mais uma vez mostra que “direita” requer um qualificativo para ser especificada.
Em poucas linhas, tentado ser sintético ao máximo, o ultraliberalismo e o anarcocapitalismo seriam um liberalismo levado ao extremo, com uma orientação de retirada máxima do papel do Estado, em que nem Banco Central ou a própria moeda existiriam, ou até mesmo a venda de órgãos e o uso de quaisquer drogas seria possível e sem regulamentação estatal.
Já a extrema-direita e a ultradireita, muito utilizadas no Brasil, já estariam mais próximas do fascismo, em que não se visa a uma retirada do Estado de nossas vidas e uma prova disso é que há defesa explícita dos tempos da ditadura militar desaguando até em uma tentativa de golpe no 08 de janeiro. E ditaduras são presenças absolutas do Estado em nossas vidas. No meu ponto de vista esta é a principal diferença entre Milei e o bolsonarismo.
O nazismo foi um fascismo racista que existiu na Alemanha sob o comando de Hitler, que visou à eliminação de povos inteiros para que só restassem os arianos no seu espaço vital. Deixando de lado as omissões estatais, penso que seu uso em nosso contexto seja exagerado a não ser que comece a haver uma pregação para que se elimine sistematicamente alguma minoria.
O que sobra então de pauta à nossa direita bolsonarista? A pauta dos costumes, em especial, temas como aborto, drogas e orientação sexual. Pouco se discute sobre os problemas reais da política como economia, transporte público, saúde, trato das desigualdades, que são pautas que estão sendo tratadas apenas pela esquerda.
Como podemos então chamar esta direita brasileira? De reacionária, que é muito diferente de conservadora, que já delineamos acima.
O reacionarismo se opõe ao progressismo e também surgiu na época da Revolução Francesa. Não queriam a revolução e defendiam a volta ao passado, a volta da monarquia, que o rei tem que ser o rei porque Deus queria assim. Em resumo, nega o progresso histórico.
“Deus acima de todos” e a “Cura gay” são atitudes típicas reacionárias.
Prezo pelo debate político saudável e democrático. A direita brasileira poderia ser liberal e neste sentido teríamos algo de melhor nível a discutir, mas com o reacionarismo, que nega a existência de desigualdades, direitos de grupos minorizados, a pobreza como mazela social, o crime influenciado pelas condições econômicas, etc., a discussão está se limitando a fazer o L ou fazer a arma.
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.