Para além da Direita e Esquerda

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Sequenciando a coluna da semana passada, apresentamos a que esta coluna “Vespeiro” se destina e iniciamos com uma pílula sobre as denominações políticas Direita e Esquerda.

Bruno Arena

Dizíamos que há muitas questões na nossa sociedade, que é cada vez mais complexa, que são insuscetíveis de enquadramento no que hoje denominamos de polarização política: democracia, progressismo, conservadorismo, direitos individuais, direitos sociais, direitos humanos, entre outras.

Ainda que consideremos essas várias questões, já temos uma redução da análise, porque se acrescentarmos o aspecto institucional dos 33 partidos políticos aptos a lançar candidatos e dos outros 79 em processo de formação, a equação fica ainda mais complexa. E se descendermos das alianças federais às municipais, passando pelas estaduais e regionais, fica impossível.

Uma primeira pergunta que nós cidadãos, que nos consideramos de direita ou de esquerda, deveríamos nos fazer seria: “se estou me auto-intitulando de esquerda ou de direita, qual o conteúdo do conceito? O que penso ou quais visões de mundo endosso com meu posicionamento?”.

As respostas vão desde visões históricas e pessoais das referências de cada denominação até a consideração da direita e da esquerda como caixas vazias como disse Sartre, e desta maneira poderiam ser preenchidas por quaisquer objetos e oportunismos.

A vida é mais real e mais cheia de nuances do que nossas tentativas de classificação político-científicas, mas pelo menos, de acordo com Bobbio, podemos afirmar que para além das ideologias, “direita” e “esquerda” indicam programas supostamente contrapostos em relação a diversos problemas a serem resolvidos pela ação política, além de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade.

Defendo que não há certo ou errado no que tange às nossas auto-intitulações em relação ao lado ou ao muro; faz parte de uma sociedade democrática. O que temos que evitar são as incoerências e fundamentos errados que levam inevitavelmente a implicações erradas, já que isso empobrece o debate.

Digo em termos conceituais, porque até se admitiria alguns erros técnicos em discursos políticos para a militância, visando a uma agregação e coesão sob uma bandeira: o mais crasso é chamar a esquerda à brasileira de comunista e a direita à brasileira de fascista. Como nos ensinou Spinosa, a política é baseada em afetos e às vezes a racionalidade poderá ficar deficitária.

Um outro exemplo de incoerência são os Direito Humanos. No Brasil consideramos direitos humanos como algo de esquerda. Sua raiz remete ao século XVI com Francisco de Vitória da Universidade de Salamanca, e mais modernamente, ao ano de 1948 com Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Vejam o artigo 3º: “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Direito à vida, liberdade e à segurança são, no senso comum, identificados com a direita liberal, além disso, alguém de direita, em sã consciência, seria contra esses direitos humanos?

Como últimas linhas desta coluna, o que podemos afirmar com certeza é que as bandeiras e o poder da identidade são muito poderosos. Tentativas de atuação política como os círculos de cidadania surgidos na Espanha, que partiam da premissa de que o poder constituído não tem receio de direitas e esquerdas, mas de maiorias, e que tive a oportunidade de acompanhar alguns espasmos no Brasil, são muito difíceis de serem implementados devido ao poder da identificação com determinada bandeira.

Lembro que os participantes se levantavam para contribuir com o debate e muitos pregavam que não deveriam abandonar suas bandeiras, mesmo que fosse para juntar forças por algo socialmente maior, e assim seguimos divididos e sem consensos, conseguidos no Brasil apenas com fisiologismos.

Partindo da lógica da “Arte da Guerra”, o poder vigente sempre dividirá para conquistar, daí temos o arranjo institucional adequado dos partidos/divididos políticos. Se buscássemos o “inteiro” político em favor da sociedade e dos cidadãos, regulando e controlando os poderes constituídos, os bens públicos seriam melhores distribuídos e a corrupção, intrínseca ao poder, diminuiria.

Até que discutamos pautas comuns da nossa vida em sociedade, seguimos com a divisão perfeita entre “direita” e “esquerda” advinda da eleição de 2022, no rico debate entre fazer a arma ou fazer o “L”.

*Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga.  Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.